quinta-feira, 14 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 4: Teotihuacán, maias clássicos

Teotihuacán
A era clássica
Após a inciativa olmeca, o período de aproximadamente 150 a 900 da era comum foi a época de grandes realizações culturais na Mesoamérica. Os arqueólogos se referem a ele como período clássico. Durante esse período, grandes civilizações floresceram em vários lugares. Os dois principais centros de civilização estavam no alto vale central do México e nas terras tropicais mais úmidas do sul do México, Iucatã e Guatemala.

O vale do México: Teotihuacán
No México central, a cidade de Teotihuacán, próxima a moderna Cidade do México, surgiu como um enorme centro urbano com funções religiosas importantes. Ela era sustentada pela agricultura intensiva na região circundante e provavelmente pelas safras plantadas em torno do grande lago no vale central do México. Os enormes templos pirâmides rivalizam com as pirâmides do antigo Egito e sugerem um aparato estatal considerável com o poder de mobilizar um grande número de trabalhadores. A estimativa para a população dessa cidade, que ocupava uma área de mais de 23 km², é de mais de 200.000 habitantes. Isto faria dela maior que as cidades do antigo Egito ou da Mesopotâmia e provavelmente apenas menor do que Roma entre as cidades da Antiguidade clássica.
Havia bairros residenciais para grupos étnicos e comerciais específicos, e há evidências consideráveis de amplas distinções sociais entre sacerdotes, nobres e o povo comum. Os muitos deuses da Mesoamérica, ainda cultuados quando os europeus chegaram no século XVI, já eram estimados em Teotihuacán. O deus da chuva, a serpente emplumada, a deusa do milho e a deusa das águas são todos visíveis nos murais e decorações que adornam palácios e templos. Na verdade, quase toda arte de Teotihuacán parece ser de natureza religiosa.
A influência de Teotihuacán se estendeu para bem longe ao sul, até a Guatemala, e tributo era provavelmente exigido de muitas regiões. Artefatos de Teotihuacán, tais como cerâmica e obsidiana primorosamente trabalhada – assim como seu estilo artístico – são encontrados em muitas outras áreas. A influência de Teotihuacán era forte em Monte Albán, no vale do Oaxaca. Guerreiros vestidos no estilo de Teotihuacán podem ser encontrados em baixos-relevos bem ao sul, na região maia.
Teotihuacán representava um império político ou um estilo cultural e ideológico dominante que se disseminou sobre a maior parte do México central. A falta de cenas de batalhas nas paredes de Teotihuacán tem estimulado alguns acadêmicos a acreditar que a sua predominância levou a um longo período de paz mantido pela autoridade e pelo poder da grande cidade. Internamente, o fato de que os edifícios mais recentes tendem a ser palácios seculares em vez de pirâmides-templos talvez indique uma transferência no poder e na orientação de autoridade religiosa para civil.

Os maias clássicos
Entre cerca de 300 e 900 da era comum, aproximadamente ao mesmo em tempo que Teotihuacán dominava o planalto central, os povos maias estavam desenvolvendo a civilização mesoamericana elevando-a ao seu mais alto grau no sul do México e na América Central. Enquanto a dinastia Tang governava a China, Carlos Magno criava seu domínio na Europa e o Islã espalhava sua influência da Espanha à Índia, depois que a Antiguidade clássica terminara no Velho Mundo, uma grande civilização florescia nos trópicos americanos. O período clássico americano, iniciado quando as civilizações clássicas do Velho mundo estavam chagando ao fim, durou até o próximo período da história mundial. Por causa da riqueza de seus registros arqueológicos e porque os povos maias ainda reterem muitos aspectos do período clássico quando os espanhóis chegaram, é possível reconstruir o mundo dos maias clássicos em alguns detalhes. Os maias podem ser usados como um exemplo do período clássico no desenvolvimento mesoamericano, porque enquanto sua civilização era singular, ela era baseada em alguns princípios comuns da região.
A cultura maia se estendeu sobre uma ampla região que agora inclui partes de cinco diferentes países (México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador). Ela englobava várias línguas relacionadas, e tinha considerável variação regional como pode ser visto em seus estilos artísticos. Toda região compartilhava uma cultura comum que incluía arquitetura monumental, uma língua escrita, um calendário, um sistema matemático, uma religião altamente desenvolvida e conceitos de política e organização social. Com uma tecnologia essencialmente neolítica em uma área de densas florestas atormentada por insetos e frequentemente com solos pobres, até 50 cidades floresceram.
Como os grandes centros urbano-religiosos maias clássicos, como Tikal, Copán, Quiriguá e Palenque, com populações entre 30.000 e 80.000, se sustentavam? A agricultura de derrubada e queimada como a praticada hoje na região não era suficiente. Os maias clássicos usavam vários sistemas agrícolas. Evidências de irrigação, drenagem de pântanos e um sistema de “campos sulcados” artificialmente construídos nas desembocaduras dos rios (onde a agricultura intensiva era praticada) parecem explicar a habilidade maia para sustentar grandes centros urbanos e uma população total de talvez cinco milhões de pessoas. Enquanto algumas autoridades ainda acreditam que os centros maias eram essencialmente cerimoniais e ocupados principalmente por governantes, artesãos e pela elite, parece claro que populações se concentraram nestes centros e em volta deles para criar uma paisagem densamente ocupada. As cidades maias variam em tamanho e traçado, mas quase todas incluem grandes pirâmides encimadas por templos, complexos de edifícios de pedras que serviam a propósitos administrativos ou religiosos, residências da elite, uma quadra de jogos com bola rituais e muitas vezes uma série de altares e pilares memoriais. Estes monumentos comemorativos, ou estelas, eram erigidos para comemorar triunfos e eventos nas vidas dos governantes maias ou para marcar ocasiões cerimoniais. As estelas eram normalmente datadas e gravadas com escrita hieroglífica. Um complexo calendário e um sistema de escrita sofisticado foram duas das maiores realizações maias.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 3: Mesoamérica, olmecas

Mesoamérica
Geograficamente, a região da Mesoamérica é uma complexa colcha de retalhos de zonas, e que também é dividida verticalmente em áreas montanhosas frias, vales e litorais tropicais e uma zona temperada intermediária. Estas variações criaram vários ambientes com diferentes possibilidades para a exploração humana. Elas também criaram uma base para o comércio, à medida que as pessoas buscavam adquirir bens não disponíveis localmente. A maior parte do comércio fluía dos vales tropicais para o frio platô central.
O processo longo e lento de transformação pelo qual os caçadores e coletores do México começaram a se estabelecer em pequenas vilas e a domesticar certas plantas é pobremente conhecido. Os seres humanos provavelmente já estavam na Mesoamérica por volta de 20000 AEC, com os homens caçando os grandes animais e, muito provavelmente, as mulheres envolvidas nas atividades de coleta. Por volta de 5000 AEC, a coleta e o uso crescente de alimentos vegetais eventualmente levou à domesticação de determinadas plantas. Feijões, pimentas, abacates, abóboras e finalmente o milho serviram como base da agricultura na região. Inovações posteriores, tais como a introdução ou o desenvolvimento da cerâmica, ocorreram por volta de 2000 AEC, mas pouco havia que diferenciasse uma pequena aldeia de outra vizinha.
Enquanto a dinastia Shang (1766-1122 AEC) governava a China, vilas sedentárias permanentes, amparadas até certo ponto na agricultura, começaram a aparecer na Mesoamérica. Havia então assentamentos pequenos e modestos. A falta de funerais elaborados indica que estas eram sociedades sem muita hierarquia ou diferenciação social, e a natureza uniforme e simples da cerâmica e de outros bens materiais indicam a falta de especialização em trabalhos manuais. Mas o número dessas vilas do período arcaico aumentou com rapidez, e a densidade populacional se elevou.

O mistério olmeca
Muito subitamente, um novo fenômeno apareceu. No litoral sudoeste da Mesoamérica (os atuais estados mexicanos de Veracruz e Tabasco), sem muita evidência de um desenvolvimento gradual no registro arqueológico, surgiu uma tradição cultural que incluía agricultura irrigada, escultura monumental, urbanismo, uma religião elaborada e os princípios de sistemas de calendário e de escrita. A origem dos olmecas permanece desconhecida, mas seus sítios impressionantes em La Venta e Tres Zapotes confirmam um alto grau de organização social e habilidade artística. Os importantes sítios olmecas em San Lorenzo (1200-900 AEC) e La Venta (900-500 AEC) estão localizados nas florestas tropicais úmidas da costa do golfo no México oriental, mas objetos olmecas e o seu estilo artístico se difundiram para as áridas regiões montanhosas do México central e na direção do litoral do Pacífico ao sul.
Acredita-se que os olmecas tenham sido a “civilização-mãe” da Mesoamérica. O cultivo de milho, especialmente ao longo dos rios, forneceu a base para um estado governado por uma elite hereditária onde o cerimonial de uma religião complexa dominava a maior parte da vida. Na época em que Tutancâmon (c. 1341-1323 AEC) governava o Egito, a civilização olmeca florescia na Mesoamérica.
Os olmecas permanecem um mistério. Algumas de suas esculturas monumentais parecem exibir características negroides; outras parecem ser representações de humanos com atributos felinos. Eles sabiam trabalhar bem o jade e negociavam ou conquistavam para obtê-lo. Eles desenvolveram um sistema numérico vigesimal e um calendário que combinava um ano de 365 dias com um ciclo ritual de 260 dias. Este calendário se tornou a base de todos os calendários mesoamericanos posteriores. Que língua eles falavam e o que a sua civilização se tornou permanece uma incógnita. Alguns estudiosos acreditam que eles sejam os ancestrais da grande civilização maia posterior.
Os objetos olmecas e, provavelmente, a influência e as ideias religiosas olmecas se disseminaram em muitas das áreas montanhosas e vales, criando a primeira cultura generalizada na região. Por volta de 900 AEC, o estilo e os símbolos olmecas estavam amplamente difundidos na Mesoamérica.
Durante o período pré-clássico (c. 2000-300 AEC), outras civilizações estavam se desenvolvendo em outros lugares na América Central. Em Monte Albán, no vale do Oaxaca, o povo zapoteca criou um grande centro cerimonial construído no alto de uma colina baseado na agricultura em terraços e irrigada no vale circundante. Um sistema de escrita e um calendário também apareceram, talvez copiados dos olmecas, assim como consideráveis evidências de guerras e conquistas. Por volta de 500 AEC, Monte Albán se tornou um centro cerimonial importante, cobrindo mais de 38 km² e com uma população de mais de 30.000 pessoas. Mais para o sul, alguns dos primeiros centros maias começaram a surgir. No vale central do México, a influência artística olmeca podia ser vista nas comunidades em expansão.
Muito do que se sabe sobre essas culturas foi interpretado a partir de sua arquitetura e de sua arte e dos símbolos que estas contêm. A arte, e especialmente a arte pública, era decorativa e funcional. Ela definia o lugar do indivíduo na sociedade e no universo; tinham também funções políticas e religiosas. Nas Américas, como em muitas outras civilizações, estes aspectos estavam normalmente unidos. A interpretação de estilos artísticos e de símbolos apresenta uma diversidade de problemas na ausência de fontes escritas. A difusão dos símbolos olmecas é um bom exemplo de problema. O uso desses símbolos entre outros povos em lugares distantes indica redes de comércio, atividade missionária, colônias, conquista, ou apreciação estética? Não se sabe. Mas, claramente, a influência olmeca era amplamente sentida por toda a região.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 2: sociedades, tribos e estados

Tipos de sociedades nativas americanas
A ideia de uma área relativamente contígua de desenvolvimento cultural faz mais sentido que o conceito prévio de centros independentes. O conceito anterior produziu uma imagem das Américas na qual civilizações e tradições culturais isoladas se desenvolveram paralelamente com pouco contato ou intercâmbio. A ênfase na variação artística e na diversidade regional contribuiu para essa visão, mas os acadêmicos estão progressivamente começando a examinar as amplas similaridades entre as antigas culturas americanas. Enquanto muitas diferenças e variações existiam, havia também uniformidades de organização, subsistência, tecnologia e crença, o que as tornava mais parecidas entre si que qualquer uma delas era das civilizações do Velho Mundo.
Até certo ponto, podemos fazer distinções entre as antigas sociedades americanas baseados em suas organizações políticas e econômicas. A agricultura sedentária e junto com ela a densidade populacional são uma chave. Caçadores e coletores, vivendo da mesma forma que os primeiros imigrantes que chegaram às Américas, continuaram a ocupar grandes porções dos continentes, divididos em pequenos bandos e se deslocando sazonalmente para tirar proveito dos recursos naturais. Estes povos às vezes estavam organizados em tribos maiores e talvez reconhecessem um chefe, mas geralmente suas sociedades estavam organizadas em torno de grupos familiares ou clãs e havia pouca hierarquia ou especialização de tarefas. Com algumas exceções, a cultura material desses povos tendia a ser relativamente simples.
Os povos que fizeram uma transição parcial para a agricultura viviam em sociedades maiores e muito mais complexas. Aqui, as vilas com 100 ou 200 pessoas em vez de bandos com 25 eram mais comuns. Os homens continuaram a caçar e a guerrear, mas as mulheres cultivavam os campos. As técnicas agrícolas tendiam a ser simples e muitas vezes necessitavam de migrações periódicas quando os solos se exauriam. As vilas dessas tribos de lavradores semissendentários e caçadores foram encontradas no litoral brasileiro e nas florestas do leste da América do Norte.
Foi entre os povos que fizeram a transição completa para a agricultura sedentária que as sociedades complexas emergiram mais claramente, porque foi com eles que o excedente de produção foi estabelecido mais firmemente. Estas populações puderam atingir milhões. Os homens tornaram-se agricultores, formando uma base camponesa para uma sociedade hierárquica que talvez incluísse classes de nobres, mercadores e sacerdotes. Estados poderosos e até mesmo impérios poderiam resultar, e a coleta de tributos dos povos subjugados e sua redistribuição pela autoridade central formava a base do governo.

Tribos e estados
Os povos sedentários e os caçadores muitas vezes viviam próximos uns dos outros e compartilhavam hostilidades mútuas e indiferenças. Mas, de fato, os povos sedentários, semissendentários e caçadores-coletores nunca foram claramente definidos e muitos aspectos da vida eram compartilhados por todos eles. Até certo ponto, os grandes estados imperiais com sistemas políticos e religiosos altamente desenvolvidos e arquitetura monumental (os quais podemos chamar de civilizações, tais como Teotihuacán no México ou Chimu no Peru) eram variantes de um padrão amplamente difundido, a tribo ou sociedade de chefatura.
Da Amazônia ao vale do Mississippi, as populações – às vezes de dezenas de milhares – eram governadas por chefes tribais hereditários que governavam a partir de centros urbanos sobre um grande território, incluindo pequenas vilas que pagavam tributos ao governante. A cidade predominante muitas vezes tinha uma função cerimonial, com grandes templos e uma classe sacerdotal. Belas cerâmicas e outros bens indicam especialização.
A existência de uma hierarquia social com classes de nobres e plebeus também era uma característica de muitos das sociedades de chefatura. Às vezes, argumenta-se que nas sociedades que construíram estados os centros cerimoniais se tornaram verdadeiras cidades, e as relações familiares ou de clãs foram substituídas pelas classes sociais. A escala da sociedade era maior, mas as diferenças nem sempre eram tão óbvias. Tanto astecas quanto incas com suas hierarquias sociais complexas mantiveram aspectos da organização anterior de clãs. Na realidade, em termos de organização social, guerra e cerimonialismo, parece haver pouco que diferencie as cidades-estado maias de algumas das chefaturas da América do Sul ou do sudoeste da América do Norte. Cahokia, próximo a St. Louis, uma importante cidade da cultura do Mississipi (c. 1050-1200) com seus grandes montes de terra cobrindo uma área de 13 km², provavelmente sustentava uma população de cerca de 30.000 pessoas, tão grande quanto as das grandes cidades da civilização maia.
Uma diferença entre agricultores sedentários e caçadores nômades deve ser mais aplicável que as diferenças entre “civilizados” e “incivilizados”. A construção e o entalhe em pedra, e então a habilidade dos arqueólogos para reconstruir uma cultura, parece ter se tornado uma importante característica em determinar a diferença entre um estado e uma sociedade de chefatura ou tribo – e, por extensão, entre “civilizações” – e sociedades que parecem não merecer o título. Ao mesmo tempo, deveríamos reconhecer que os povos sedentários e os caçadores reconheciam as diferenças entre os seus modos de vida, e quando eles entravam em contato, muitas vezes compartilhavam hostilidades e invejas mútuas entre si. Os incas olhavam de cima os povos da floresta tropical amazônica e se referiam a eles como chuchos (bárbaros), mas nunca conseguiram conquistá-los. Os incas comercializavam com eles de tempos em tempos, e às vezes os usavam como mercenários. Os astecas chamavam os nômades que viviam no norte de chichimec, que talvez signifique “incivilizado”, mas os próprios astecas se originaram de um desses grupos, que estavam constantemente pressionando as regiões sedentárias mais ricas e bem alimentadas. Até certo ponto, o padrão de tensão entre nômades e “civilizados” do Velho Mundo foi reproduzido nas Américas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 1: culturas arcaicas, agricultura

As culturas arcaicas
Por volta de 9000 AEC, pequenos bandos de caçadores estavam amplamente dispersos por todo o continente americano. As mudanças no clima com o final da última Idade do Gelo devem ter atrasado as modificações na dieta e no estilo de vida. O desaparecimento dos grandes animais de caça, qualquer que tenha sido a causa, provavelmente foi contemporânea da caça menos especializada de pequenos animais, pesca e uma dependência crescente da coleta de frutas selvagens e outras plantas alimentícias. A cultura dessas primeiras populações é normalmente chamada de período arcaico. Ela representa uma adaptação às transformações ambientais e às possibilidades de subsistência. As pessoas faziam cestas e usavam instrumentos de moagem para preparar as raízes e plantas que coletavam para comer (aproveitavam uma ampla variedade de animais e plantas). Quando os litorais se estabilizaram entre 5000 e 4000 AEC, as populações se concentraram em torno de lagoas e estuários de rios para explorar peixes e moluscos. Enormes sambaquis encontrados no Chile e na Terra do Fogo indicam a longa dependência desses recursos marinhos. No Brasil, os sambaquis indicam o uso intensivo desses recursos e a ocupação permanente de sítios litorâneos.

Agricultura nas Américas
O passo em direção à agricultura foi uma extensão natural de um processo no qual uma ampla variedade de recursos animais e vegetais era usada, reduzindo a dependência da caça de grandes animais. A agricultura deve então ter se iniciado com as mulheres, visto que em muitas sociedades caçadores simples as mulheres são responsáveis pela coleta de alimentos vegetais. Há antigas evidências das cavernas Guitarrero nas montanhas do Peru de cultivos de cerca de 7000 AEC, e por volta de 5000 AEC já havia plantas domesticadas em várias regiões das Américas.
A introdução da agricultura, a versão americana da revolução neolítica, não foi uma mudança tão completa e drástica como se pensava, e muitos povos continuaram a praticar a caça e a coleta lado a lado com os cultivos agrícolas. Em muitos lugares, agricultores e caçadores-coletores eventualmente viviam em contato próximo como resultado de diferentes adaptações aos ambientes e às oportunidades de escolhas sociais. O movimento da caça para a agricultura nem sempre aconteceu. Em um ambiente particularmente rico no litoral e onde a caça era abundante, as pessoas evitaram a agricultura e a nova organização de vida que ela poderia representar.
Com o tempo, todavia, a agricultura passou a ser praticada por todo o continente Americano, das florestas do leste da América do Norte às selvas tropicais da bacia amazônica. Os nativos americanos cultivavam mais de 100 diferentes safras, que englobavam desde pimentas, abóboras e tomates a amaranto e quinoa. Alguns cultivos, especialmente milho, batatas e mandioca, tornaram-se fontes essenciais de comida para densas populações. Como antes na Ásia, a agricultura impôs restrições ao comportamento humano e aos padrões de ação humana; à medida que as sociedades americanas dependiam cada vez mais da agricultura, uma série de processos ocasionalmente foram ativados e resultaram em complexos sistemas sociais, econômicos e políticos.
Por volta de 4000 AEC, a domesticação do milho aconteceu no México central e junto com ele o cultivo de pimentas, abóboras e feijões. Estas fontes de alimento expandidas e confiáveis resultaram no crescimento populacional (embora alguns acadêmicos defendam que o crescimento das populações deve ter estimulado a busca por novas fontes de comida e pela domesticação de plantas). O cultivo do milho se espalhou amplamente. Por volta de 2000 AEC, ele era cultivado no Peru, junto com batatas e outras safras nativas daquela região. O milho se disseminou também na direção norte, para o atual sul dos Estados Unidos, e por volta de 1000 AEC, ele era cultivado por tribos (como os iroqueses) no Canadá.
Nas florestas tropicais das bacias do Amazonas e do Orinoco, os nativos desenvolveram uma agricultura baseada em variedades de mandioca ou cassava, uma raiz que poderia ser transformada em farinha. A introdução do milho em áreas que dependiam apenas da mandioca provavelmente resultou em crescimento populacional e, com ele, o surgimento de sociedades mais complexas. Enquanto variedades de batatas eram os alimentos básicos nos Andes, e a mandioca era a principal safra dos povos das planícies sul-americanas e nas ilhas do Caribe, o cultivo do milho se espalhou em todas as direções e era muitas vezes praticado nestas regiões em conjunto com outras safras. Na Mesoamérica, na área do norte do México central à Nicarágua, o milho dominou a dietas dos povos agrícolas.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A invenção da escrita

A invenção da escrita foi um dos grandes avanços na civilização. De fato, a escrita ajuda a assegurar a continuidade da civilização, porque transmite um registro factível da espécie humana de geração em geração.
Encontramos as evidências mais antigas de escrita na Suméria, sul da Mesopotâmia. Esse sistema mais antigo não usava um alfabeto, mas pictografias, que são símbolos representando objetos familiares. Este tipo de escrita sumeriano evoluiu tornando-se mais estilizado. Ele ficou conhecido na atualidade como cuneiforme, ou escrita em forma de cunha. Os egípcios também usavam um sistema pictográfico, mas original: os hieróglifos.
O uso de um alfabeto provavelmente se originou entre os povos habitantes da região conhecida como Fenícia entre 1700 e 1500 AEC a partir dos sistemas de escrita mais antigos, o cuneiforme e o hieroglífico. Esta escrita semítica possuía apenas consoantes; depois, os antigos gregos introduziram a ideia das vogais. O sistema de escrita chinês, também muito antigo, manteve seu caráter pictográfico em vez de desenvolver um alfabeto.
A história e a pré-história da escrita são tão longas quanto a história da própria civilização. Na verdade, o desenvolvimento da comunicação escrita foi um passo fundamental no avanço da civilização.
Apesar disso, a escrita existe há pouco mais de 5.000 anos. As mais antigas inscrições conhecidas que chegaram até nós estão em tabletes de argila feitos pelos sumerianos por volta de 3100 AEC. Os sumerianos viviam no sul da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. As mais antigas inscrições conhecidas do vale do Nilo são de 100 a 200 anos mais recentes.
A escrita é às vezes considerada a maior das invenções humanas. Vários povos desenvolveram independentemente a escrita: sumerianos, provavelmente egípcios, chineses e povos mesoamericanos. Não se sabe a identidade daqueles responsáveis pelos passos mais importantes no desenvolvimento da escrita. Seus nomes, como os dos inventores da roda, há muito se perderam na penumbra do passado.
Muito tempo antes que as mais antigas inscrições sumerianas e egípcias se desenvolvessem, as pessoas se comunicavam entre si por vários métodos diferentes. Os antigos humanos podiam expressar seus pensamentos e sentimentos através da fala, por sinais ou gestos. Eles também podiam sinalizar com fogo, fumaça, tambores ou assobios.
Estes métodos de comunicação mais antigos tinham duas limitações. Primeiro, eles estavam restritos ao tempo enquanto a comunicação ocorresse. Assim que as palavras eram faladas, os gestos eram feitos ou a fumaça era soprada pelo vento, todos não podiam ser recuperados, exceto por repetição. Segundo, estavam restritos pelo espaço. Poderiam ser usados apenas entre pessoas mais ou menos próximas umas das outras.
A necessidade de comunicação através de uma forma menos limitada pelo tempo e pelo espaço pode ter originado os primeiros desenhos e marcas sobre objetos de qualquer material sólido. Estas “mensagens” duravam tanto quanto os materiais sobre os quais foram feitas. Os humanos têm feito desenhos há milênios. As pinturas pré-históricas feitas em cavernas eram representações artísticas e realísticas do mundo do homem primitivo. Se as figuras intencionavam registrar um evento ou transmitir uma mensagem, elas eram uma forma de escrita.
Um grande número dessas figuras, desenhadas ou entalhadas na rocha, são chamadas petrogramas se são desenhadas ou pintadas e petróglifos se são entalhadas.
Tais figuras transmitiam ideias, ou significados, diretamente sem o uso de palavras, sons, ou outra forma de linguagem. Este método primitivo de comunicação é conhecido como pictografia ou ideografia, e forma a base dos caracteres chineses e japoneses atuais.
A ideia ou o significado escrito tem muitas limitações. Se alguém desejar comunicar a simples mensagem “eu matei cinco leões”, o escritor poderia começar desenhando cinco figuras separadas de leões. Ainda faltava indicar “eu matei”. Lembrando-se da forma que na verdade ele matou os leões – com uma lança, um porrete ou um arco e flecha – o escritor desenharia a sua figura segurando a arma que ele usou no ato.
Havia várias formas indiretas pelas quais o escritor poderia garantir que outra pessoa entendesse que foi ele e não outro que matou os leões. Se ele tinha pernas longas, ele poderia fazer um desenho seu com pernas bastante longas. Ele poderia se desenhar com um corte de cabelo peculiar ou com um toucado. Ele também poderia usar o artifício, amplamente usado pelos nativos americanos, de adicionar uma figura representando o seu nome – por exemplo, Búfalo Branco ou Camisa Vermelha – próximo à cabeça da figura. Tudo isso era inconveniente e envolvia uma grande quantidade de imaginação em encontrar as figuras certas para expressar os significados intencionados. Este sistema de escrita foi empregado pelos nativos norte-americanos das planícies e pelos astecas.
O método ideográfico de comunicação deve ter sido suficiente nas sociedades mais simples de caçadores e nômades. No entanto, ele não poderia se adequar às necessidades das sociedades urbanas com comércio, indústria, agricultura e burocracia estatal altamente desenvolvidos, todos envolvendo a necessidade de manter registros.
As primeiras sociedades urbanas surgiram no Oriente Médio, na Mesopotâmia ou em suas proximidades. Foi entre os rios Tigre e Eufrates que a civilização sumeriana floresceu. Aparentemente pouco tempo depois dos sumerianos, os egípcios do vale do Nilo desenvolveram sua civilização.
As escritas antigas foram influenciadas por vários fatores, particularmente pelos materiais disponíveis. As pessoas do Antigo Egito desenvolveram belos sinais, chamados hieróglifos, para fazer inscrições em tumbas e monumentos e para escrever textos religiosos e documentos importantes sobre papiro. A palavra hieróglifo origina-se de duas palavras gregas: ερός (hierós) "sagrado", e γλύφειν (glýphein) "escrita". Como o sul da Mesopotâmia era carente em pedras e em materiais adequados para fazer papel, eles imprimiam símbolos em tabletes de argila úmidos com a extremidade de um estilete de madeira ou junco. Isto produzia sinais em forma de cunha; por isso tal escrita é chamada cuneiforme, do latim cuneus, “cunha”. Para serem preservados, os tabletes eram assados após serem escritos.
A intenção básica nas novas inscrições era para expressar palavras da língua ao invés de ideias e significados. A mensagem “eu matei cinco leões” não seria expressa por figuras desenhadas em qualquer ordem. Ao invés disso, ela seria expressa em sinais desenhados na ordem das palavras dessa sentença. A palavra “eu” poderia ser expressa pelo pictograma de uma cabeça com a mão apontando para o nariz; “matei” pelo pictograma de uma lança; “cinco” por cinco marcas; e “leões” pelo pictograma de um leão.
O escriba não mais poderia escolher usar um sinal ou outro de acordo com a situação que ele estava tentando descrever. Se os leões foram mortos por uma lança, um cassetete ou por um arco e flecha, o escriba poderia usar para a palavra “matar” apenas o sinal que ele tinha aprendido a associar regularmente com essa palavra. Se na Suméria o ato de matar animais ou humanos fosse normalmente realizado com uma lança, então a figura de uma lança muito provavelmente seria escolhida como o sinal para a palavra “mata”.
Um sistema de escrita no qual sinais individuais são usados para palavras individuais da língua é chamado logográfico. Os sinais de tal sistema são chamados logogramas.
A palavra escrita representou um tremendo avanço sobre a ideia escrita. No entanto, ela ainda não era tão prática. Milhares de sinais para milhares de palavras tiveram que ser inventados – o que não era fácil – e aprendidos. Ainda era difícil expressar algumas ideias abstratas, como “vida”; nomes próprios que não tinham significados conhecidos; e formas gramaticais, como a indicação do tempo verbal ou de plurais.
Uma maneira de superar estas dificuldades foi encontrada no uso do princípio fonético, ou princípio rébus. Um exemplo seria escrever a palavra da língua inglesa “belief” (crença) desenhado as figuras de uma abelha (bee) e de uma folha (leaf). Em sumeriano, a palavra abstrata ti (vida) era difícil de expressar por uma figura. O escriba então escrevia a palavra com a figura fácil de desenhar de uma seta, que também tinha o som de ti em sumeriano. Dessa forma, uma figura era colocada para representar um som.
Com o princípio rébus, novos horizontes foram abertos para a expressão de todas as formas linguísticas, não importando o quanto fossem abstratas. Não era mais necessário passar por um processo de ginástica mental para descobrir como expressar uma palavra como “dado”, significando uma informação ou conjunto de informações. A palavra deveria ser expressa pela figura de um papiro com inscrições, uma árvore e uma lua ou por outra coisa? Com o princípio rébus, esta palavra poderia ser escrita simplesmente com o desenho de um cubo com pontos nos lados, um dado de jogar. Seu sinal é fácil de desenhar e soa como qualquer outro dado. Além disso, o sinal para dado pode ser usado foneticamente em toda e qualquer palavra onde as sílabas dado apareçam, como validado, consolidado ou enfadado. Os sistemas de escrita onde os sinais são usados para representar palavras completas de significado definido ou para sílabas são chamados escritas logográficas silábicas. Tais sistemas eram predominantes na Antiguidade, entre os sumerianos e egípcios, entre os hititas na Anatólia, entre os minoicos e micênicos no Egeu e entre os chineses. As escritas ainda não decifradas dos elamitas do sul do Irã e de um povo desconhecido que viveu na Índia em tempos muito antigos também eram logo-silábicas. Os maias da América Central desenvolveram um sistema que está em algum lugar entre o estágio ideográfico dos astecas e os sistemas logo-silábicos completamente desenvolvidos como os dos sumerianos e egípcios.
Como as primitivas escritas ideográficas, todos os sistemas logo-silábicos eram originalmente pictográficos; isto é, eles continham sinais nos quais alguém poderia facilmente reconhecer figuras de humanos e de objetos, animais, plantas e montanhas.
Os sistemas ideográficos retiveram seus caracteres pictóricos do início ao fim de suas existências. No decorrer do tempo, no entanto, as escritas logo-silábicas desenvolveram formas lineares e cursivas. Estas se tornaram abreviadas e mudaram significativamente com o uso constante. É impossível reconhecer na grande maioria deles as figuras que originalmente representavam. No Egito, a escrita hieroglífica originou outras duas, e as três formas eram usadas ao mesmo tempo. A forma hieroglífica era uma escrita de figuras cuidadosamente desenhadas encontrada principalmente em monumentos públicos e oficiais. Havia também as formas hierática e demótica, que eram escritas abreviadas e cursivas usadas principalmente para correspondência privada e comercial.
O passo seguinte na história de escrita foi o sistema silábico. Todas as escritas silábicas derivaram dos sistemas logo-silábicos. Eram sistemas idênticos ou simplificados dos silabários daqueles sistemas. Um silabário é uma lista de caracteres, cada um dos quais usado para escrever uma sílaba.
Os babilônios assírios, que substituíram os sumerianos na Mesopotâmia, aceitaram quase sem nenhuma mudança o sistema logo-silábico sumeriano. Os elamitas, hurritas e urarteanos, que viviam nas fronteiras mesopotâmicas, sentiram que a tarefa de dominar o complicado sistema sumeriano era um ônus muito pesado. Eles simplesmente desenvolveram um silabário simplificado e eliminaram quase inteiramente os sinais logo-silábicos sumerianos.
Os japoneses também desenvolveram um silabário simples a partir da escrita chinesa logo-silábica. As crianças japonesas são ensinadas com ele nos primeiros anos. Quando avançam para graus mais elevados, elas também aprendem vários logogramas tomados emprestados do chinês, que usam lado a lado com seu silabário.
A mudança mais radical ocorreu no sistema que os povos semitas da Síria e da Palestina desenvolveram a partir do sistema hieroglífico egípcio entre 1500 e 1000 AEC. Eles eliminaram todos os logogramas e todos os sinais silábicos com mais de uma consoante. Eles limitaram seus silabários a cerca de 30 sinais começando com uma consoante e terminando com uma vogal.
A escrita semítica mais importante foi desenvolvida por volta de 1000 AEC pelos fenícios na antiga cidade de Biblos. Essa escrita consistia de 22 sinais silábicos começando com uma consoante e terminando com uma vogal. Esta era a escrita que estava destinada a desempenhar o papel mais importante na história da civilização. Devido à sua grande simplicidade, a escrita fenícia se espalhou rapidamente. Ela foi aceita gradualmente por outros povos semíticos, como hebreus, arameus, árabes e abissínios. Na sua marcha para leste, ela se espalhou entre os povos da Pérsia e da Índia. A oeste, ela foi adotada pelos gregos, itálicos e pelo resto da Europa.
Como as vogais não eram indicadas nos sinais silábicos fenícios, estes sinais são chamados consonantais ou até mesmo alfabéticos por alguns acadêmicos. No entanto, os criadores de um alfabeto verdadeiro, com vogais e consoantes, não foram os fenícios, mas os gregos.
Houve três grandes passos pelos quais a escrita evoluiu da ideografia primitiva para um alfabeto pleno. Primeiro, vieram os sinais para representar os sons de palavras, conduzindo a um sistema logo-silábico. Os sumerianos foram os primeiros a desenvolver este estágio de escrita.
Depois veio a criação dos silabários semíticos de 22 a 30 sinais. A grandiosidade da escrita fenícia não está em qualquer mudança revolucionária, mas na simplificação. Ela excluiu todos os logogramas e sinais com mais de uma consoante do sistema egípcio, e restringiu seu silabário a um pequeno número de sinais silábicos abertos. Esta escrita se tornou o protótipo de todos os alfabetos.
O último grande passo foi a criação do alfabeto grego. Isto foi consumado pelo uso sistemático de sinais para vogais. Quando estes foram adicionados aos sinais silábicos copiados do sistema semítico, o resultado foi a redução dos valores dos sinais silábicos a sinais alfabéticos.
Com seu desenvolvimento final alcançado, não importando o que os seus precursores devam ter sido, a escrita teve que passar por esses três estágios – palavra, sílaba e alfabeto – nesta e não em outra ordem. Nenhum estágio de desenvolvimento poderia se omitido. Nenhuma escrita poderia começar com um estágio silábico ou alfabético a menos que fosse copiada de um sistema que já tivesse passado pelos estágios prévios. Um sistema de escrita poderia parar em um estágio sem desenvolver os posteriores. Os nativos das planícies norte-americanas nunca progrediram além da escrita pictográfica. As escritas japonesas e chinesas permaneceram logo-silábicas.
A escrita raramente desenvolveu todos os estágios no mesmo lugar. Os povos eram normalmente conservadores e presos ao seu próprio tipo de escrita. No Egito e na Babilônia interesses religiosos, e na China interesses políticos, foram responsáveis por manter uma forma difícil e obsoleta de escrita e tornar seu uso geral pelo povo impossível. Foram então os povos estrangeiros, sem ligações com as tradições e os interesses locais, que frequentemente foram responsáveis por introduzir novos e importantes desenvolvimentos na história da escrita. Dessa forma, foram os fenícios que simplificaram a escrita egípcia, e os gregos que desenvolveram o alfabeto que eles derivaram a partir da escrita dos fenícios.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

As primeiras cidades: berços da civilização

Çatal Hüyük, Turquia.
Por volta de 7000 AEC, as técnicas de produção agrícola no Oriente Médio tinham alcançado um nível no qual era possível sustentar milhares de pessoas, muitas das quais não trabalhavam na agricultura, nos assentamentos densamente povoados. Duas dessas povoações mais antigas estavam em Jericó, no que hoje é a Cisjordânia ocupada por Israel, e em Çatal Hüyük, no sul da atual Turquia. Com populações de aproximadamente 2.000 e de 4.000 a 6.000 pessoas respectivamente, Jericó e Çatal Hüyük seriam vistas hoje como pouco mais que vilarejos grandes ou pequenas cidades. Mas, na perspectiva do desenvolvimento cultural humano, elas representaram os primeiros movimentos da vida urbana. Nestes e em outros assentamentos neolíticos do Oriente Médio, a especialização ocupacional e a formação de grupos de elite religiosos e político-militares avançaram significativamente. O comércio se tornou essencial para a sobrevivência da comunidade e era realizado, talvez por mercadores especializados, com pessoas a distâncias consideráveis. Artigos de cerâmica, de metal trabalhado e joias foram altamente desenvolvidos. Em Çatal Hüyük particularmente, esculturas e pinturas de parede foram feitas com alto nível de sofisticação.
Nestes dois antiquíssimos centros, os ingredientes principais de civilização se reuniram. Os excedentes agrícolas eram suficientes para sustentar produtores não agrícolas e líderes políticos e religiosos. A interação desses grupos resultou numa explosão de criatividade e inovação numa ampla variedade de campos. Mas estes primeiros centros estavam bastante isolados. Eles eram nada mais que pequenas ilhas de cultivadores sedentários e um pequeno número de habitantes urbanos, rodeados por vastas planícies e florestas. Os centros urbanos mais antigos parecem ter realizado comércio extensivamente, mas mantinham apenas contatos limitados e intermitentes como os povos caçadores-coletores vizinhos. Embora pequenas em tamanho e muito menos especializadas se comparadas com as cidades da Suméria e de outras civilizações antigas, não obstante desempenharam papéis decisivos na progressiva transformação neolítica. As elites governantes e os artesãos especialistas dessas cidades contribuíram de várias maneiras importantes para a introdução, no quarto milênio AEC, de invenções fundamentais – como a roda, o arado, a escrita e o uso do bronze – que asseguraram o futuro da vida civilizada como o padrão central da história humana.
Jericó – a proximidade do rio Jordão e as águas profundas e límpidas de uma nascente de oásis foram importantes para repetidos assentamentos humanos no lugar onde a cidade de Jericó foi construída. Por volta de 7000 AEC, mais de 10 acres no local estavam ocupados por casas redondas de feitas de barro e tijolo sobre fundações de pedra. A maioria destas casas antigas tinha apenas um cômodo com pisos de barro e teto em forma de cúpula, mas algumas casas tinham até três cômodos. A entrada destas residências sem janelas era feita por um portal único de madeira e degraus descendentes até o vão principal subterrâneo. Embora não haja evidências de que a cidade fosse fortificada nos primeiros estágios de seu crescimento, sua crescente riqueza tornou progressivamente imperativa a construção de muros de proteção contra inimigos externos. A cidade era rodeada por um canal escavado no solo rochoso e por um muro alcançando quase 3,7 metros de altura. A escavação extensiva necessária para esta construção é bastante impressionante porque as pessoas que as fizeram não dispunham de pás ou picaretas. As pedras para a muralha foram retiradas de um leito de rio a um quilômetro e meio de distância. Estas façanhas de transporte e construção sugerem não apenas uma força de trabalho de tamanho considerável, mas que também era bem organizada e disciplinada.
Quando Jericó foi reconstruída nos séculos seguintes, a muralha alcançou uma altura perto de 4,5 metros, e as fortificações incluíam uma torre de pedra de pelo menos 7,6 metros de altura. A área coberta pela cidade aumentou. As casas redondas deram lugar a casas retangulares, com entradas de madeira mais amplas e mais elaboradas. As casas eram construídas de tijolos aprimorados, possuíam lareiras de argamassa e moinhos de pedra para a moagem de grãos e eram mobiliadas com cestos de armazenamento e esteiras de palha. Além disso, pequenas construções que eram usadas como santuários religiosos foram encontradas em estágios posteriores da história da cidade.
Embora a economia de Jericó fosse baseada principalmente no cultivo de trigo e cevada, há evidências consideráveis de que a cidade também dependia da caça e do comércio. Cabras domesticadas forneciam carne e leite, enquanto gazelas e vários pássaros eram caçados pela carne, peles e penas. A cidade estava próxima de grandes reservas de sal, enxofre e piche. Estes materiais, que eram bastante demandados à época, eram permutados por pedras semipreciosas de obsidiana – rocha vulcânica vítrea escura – da Anatólia, turquesa do Sinai e conchas do mar Vermelho.
As ruínas escavadas em Jericó indicam que a cidade era governada por um grupo dominante distinto e bastante poderoso, que provavelmente era aliado dos guardiões dos centros de adoração. Provavelmente havia artesãos especializados e uma pequena classe mercantil. Além das estatuetas de fertilidade e dos animais entalhados encontrados em muitos outros sítios, os habitantes de Jericó esculpiam cabeças e figuras humanas de tamanho real altamente naturalísticas. Estas esculturas, que devem ter sido usadas em cultos ancestrais, dão-nos impressões realistas das características físicas das pessoas que desfrutavam da riqueza e da segurança de Jericó.
Çatal Hüyük – A primeira comunidade neste local no sul da Turquia foi edificada por volta de 7000 AEC, um pouco depois dos mais antigos assentamentos de Jericó. Mas a cidade que cresceu em Çatal Hüyük era bem mais extensa que Jericó e continha uma população maior e mais diversificada. Çatal Hüyük era na realidade o centro humano mais avançado do Neolítico. No auge de seu poder e prosperidade, a cidade ocupava 32 acres e mantinha cerca de 6.000 pessoas. Suas construções retangulares, que eram centros de vida familiar e interação comunitária, eram consideravelmente uniformes – feitas de tijolos de barro seco. Tinham janelas altas em suas paredes e as entradas eram buracos em seus tetos planos. Estas passagens também serviam como chaminés para as lareiras das casas. As casas eram unidas para prover fortificação à cidade. O movimento dentro do assentamento era feito principalmente através dos tetos e dos terraços das casas. Visto que cada residência tinha um grande depósito, quando a escada para o telhado era retirada, elas se tornavam fortalezas separadas dentro de um grande complexo.
A padronização das habitações e construções em Çatal Hüyük sugere um grupo governante até mais imponente que aquele encontrado em Jericó. Os muitos santuários religiosos encontrados no sítio também indicam a existência de uma classe sacerdotal poderosa. Os santuários eram construídos da mesma forma que as casas comuns, mas continham capelas rodeadas por quatro ou cinco salas relacionadas às cerimônias do culto. As paredes desses centros religiosos eram ornadas com pinturas de touros e comedores de carniça, principalmente abutres, sugerindo cultos de fertilidade e ritos associados com a morte. As estátuas que sobreviveram indicam que a deidade principal de Çatal Hüyük era uma deusa, que é de diversas maneiras retratada como uma mulher jovem dando à luz ou cuidando de uma criança pequena, e como uma mulher velha acompanhada por um abutre.
A importância óbvia dos santuários de culto e as elaboradas práticas de sepultamento das pessoas de Çatal Hüyük revelam o papel crescente da religião nas vidas dos povos neolíticos. As esculturas cuidadosamente entalhadas associadas aos santuários e as joias delicadas, espelhos e armas encontrados sepultados com os mortos atestam o alto nível de cultura material e capacidade artística alcançado pelos habitantes dessa cidade. As escavações do assentamento também revelam uma base econômica que era muito mais ampla e rica que a de Jericó. A caça ainda era realizada, mas as criações de cabras, ovelhas e bois amplamente ultrapassaram aquelas associadas a Jericó. Uma ampla variedade de alimentos era consumida pelos habitantes de Çatal Hüyük, que incluía vários, grãos, ervilhas, bagas, vinho de bagas e óleos vegetais feitos de nozes. O comércio era abrangente com as pessoas das montanhas dos arredores e de lugares tão distantes na atual Síria e na região do Mediterrâneo. Çatal Hüyük também era um centro importante de produção artesanal. Suas armas de sílex e de obsidiana, joalheria e espelhos de obsidiana estavam entre os melhores produzidos no período neolítico. Os vestígios da cultura da cidade deixam pouca dúvida de que os habitantes tinham alcançado um nível civilizado de existência.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Religião canaanita

As tribos israelitas durante o período de condução e liderança principalmente de Moisés e Josué tiveram que lutar contra tribos nômades; em seus contatos com estes grupos, elas absorveram algumas das atitudes e motivos do estilo de vida nômade, tais como independência, amor pela liberdade de se mover sem destino, e o medo ou desdém pelo estilo de vida sedentário, agrícola e dos povos urbanos.

Já os canaanitas, com quem os israelitas entraram em contato durante a conquista por Josué e o período dos juízes, eram um povo urbano e agrícola sofisticado. O nome Canaã significa “País da Púrpura” (a tinta púrpura era extraída de um molusco encontrado no litoral da Palestina). Os canaanitas, um povo que absorveu e assimilou as características de muitas culturas do antigo Oriente Próximo por pelo menos 500 anos antes dos israelitas entraram na sua área de controle, eram um povo que, até onde se sabe, inventou a forma de escrever que se tornou o alfabeto, que, através de gregos e romanos, foi transmitida a muitas culturas influenciadas pelos seus sucessores – especialmente, as nações e povos da civilização ocidental.

A religião dos canaanitas era uma religião agrícola, com motivos de fertilidade pronunciados. Suas divindades principais eram chamadas Baalim (Senhores), e suas consortes Baalot (Senhoras) ou Asherah (singular), normalmente conhecidas pelo nome pessoal no plural Ashtoret. O deus de Siquém, cidade que os israelitas absorveram pacificamente sob Josué, era chamado de Baal-berith (Senhor da Aliança) ou El-berith (Deus da Aliança). Siquém se tornou o primeiro centro da confederação tribal religiosa (chamado de anfictiônia pelos gregos) dos israelitas durante o período dos juízes. Quando Siquém foi escavada no começo da década de 1960, o templo de Baal-berith foi parcialmente reconstruído; o pilar sagrado (geralmente um símbolo fálico ou, muitas vezes, uma representação de Asherah, o símbolo da fertilidade feminina), foi colocado na sua posição original diante da entrada do templo.
Acreditava-se que os Baalim e as Baalot, deuses e deusas da Terra, revitalizavam as forças da natureza das quais a agricultura dependia. O processo de revitalização envolvia um casamento sagrado (hieros gamos), repleto de atividades sexuais simbólicas e reais entre homens, representando os Baalim, e as prostitutas sagradas do templo (quedeshot), representando as Baalot. As cerimônias rituais envolvendo atos sexuais entre membros masculinos das comunidades agrícolas e as prostitutas sagradas dedicadas às Baalim eram focadas no conceito canaanita de magia favorável. Como as Baalim (através das ações de homens selecionados) tanto simbólica quanto de fato fecundavam as prostitutas sagradas, então também, acreditava-se, as Baalim (como deusas das condições atmosféricas e da Terra) enviariam as chuvas (frequentemente identificadas com o sêmen) à Terra de forma que elas pudessem render safras abundantes de grãos e frutos. Histórias lendárias canaanitas incorporando tais mitos de fertilidade estão representadas nos textos mitológicos da antiga cidade de Ugarit (a moderna Ras Shamra) no norte da Síria; embora o deus supremo El e sua consorte fossem importantes como o primeiro casal do panteão, Baal e sua esposa-irmã sexualmente apaixonada eram importantes na criação do mundo e na renovação da natureza.
A religião dos agricultores canaanitas mostrou ser uma forte atração para as tribos israelitas nômades menos sofisticadas. Muitos israelitas sucumbiram às seduções dos rituais e práticas carregados de fertilidade da religião canaanita, parcialmente porque era nova e diferente da religião de Javé e, possivelmente, por causa da tendência da fé rigorosa e da ética enfraquecerem sob a influência de atrações sexuais. À medida que os canaanitas e os israelitas começaram a viver em contato próximo entre si, a fé de Israel tendeu a absorver alguns dos conceitos e práticas de religião canaanita. Alguns israelitas começaram a dar nomes a suas crianças homenageando os Baalim; até mesmo um dos juízes, Gideão, também era conhecido pelo nome Jerubbaal (“Deixe Baal Lutar”).
À medida que as tendências sincréticas se tornaram profundamente estabelecidas na fé israelita, o povo começou a perder o conceito de sua exclusividade e de sua missão de ser testemunha das nações, tornando-se enfraquecido em resoluções internas e responsável pela opressão de outros povos.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Os elamitas

O platô iraniano não experimentou o surgimento da civilização urbana e letrada no final do IV e no começo do III milênio AEC no padrão mesopotâmico, mas o vale do Kuzestão, no sudoeste do Irã atual, o fez. Lá existiu a civilização elamita.
Geograficamente, O Elã incluía mais que essa região; era uma combinação desses vales e das áreas montanhosas adjacentes a norte e a leste. A força elamita estava baseada na habilidade de manter estas várias áreas unidas sob um governo coordenado que permitia o máximo intercâmbio dos recursos naturais únicos de cada região. Tradicionalmente, isso era feito através de uma estrutura governamental federativa.
Muito relacionado a essa forma de governo era o sistema elamita de herança e distribuição de poder. O padrão normal de governo consistia de um soberano governando sobre príncipes vassalos, Nas épocas mais antigas, o soberano vivia em Susa, que funcionava como uma capital federal. Com ele governava seu irmão mais próximo em idade, o vice-rei, que normalmente tinha sua sede de governo na cidade nativa da dinastia governante. O vice-rei era o presumível herdeiro do soberano. Existia ainda um terceiro oficial, o regente ou príncipe de Susa (a região), que dividia o poder com o soberano e com o vice-rei. Ele normalmente era filho do soberano ou, se este não tivesse filhos, seu sobrinho. Com a morte do soberano, o vice-rei se tornava o senhor; o príncipe de Susa permanecia em sua posição, e o irmão seguinte em idade se tornava o novo vice-rei. Apenas se todos os irmãos estivessem mortos era que o príncipe de Susa era promovido a vice-rei, habilitando assim o soberano a nomear seu próprio filho (ou sobrinho) como o novo príncipe de Susa. Tal complicado sistema de controle governamental, balanços e herança de poder frequentemente era rompido apesar da descendência bilateral e do casamento levirato (o casamento compulsório da viúva com o irmão de seu falecido marido). O que é impressionante é que o sistema funcionava com frequência; apenas nos períodos médio e neoelamita é que os filhos mais frequentemente sucederam os pais.
A história elamita pode ser dividida em três fases principais: os períodos antigo, médio e neoelamita. Em todos os períodos o Elã esteve intimamente envolvido com Suméria, Babilônia e Assíria, às vezes através de comércio pacífico, mas mais frequentemente através de guerras. Da mesma maneira, o Elã foi muitas vezes um participante nos eventos do platô iraniano. Ambos os envolvimentos estavam relacionados às necessidades combinadas de todas as civilizações das planícies em controlar os povos guerreiros do leste e de explorar os recursos econômicos do platô.

Os reis mais antigos do período elamita antigo talvez datem de aproximadamente 2700 AEC. Já o conflito com a Mesopotâmia, neste caso aparentemente com a cidade de Ur, foi característico da história elamita. Estes primeiros governantes foram sucedidos pela dinastia Awan (Shustar). O décimo-primeiro rei dessa linhagem firmou tratados de aliança com o grande Naram-Sin de Acad (c. 2254-c. 2218 AEC). No entanto, logo surgiu uma nova casa governante, a dinastia Simash (provavelmente oriundos das montanhas do norte). O evento considerável desse período foi a virtual do Elã por Shulgi da III dinastia de Ur (c. 2094-c. 2047 AEC). Finalmente, os elamitas se rebelaram e derrubaram a III dinastia de Ur, um evento muito lembrado nos textos de lamentações e presságios mesopotâmicos. Por volta da metade do século XIX AEC, o poder no Elã passou para uma nova dinastia, de Eparti. O terceiro rei dessa dinastia, Shirukdukh, esteve ativo em várias coalisões militares contra o poder crescente de Babilônia, mas Hamurabi (c. 1792-c. 1750 AEC) prevaleceu e O Elã foi arrasado em 1764 AEC. O Primeiro Império Babilônico, no entanto, entrou em rápido declínio após a morte de Hamurabi, e não demorou muito até que os elamitas fossem capazes de se vingar. Kutir-Nahhunte I atacou Samsuiluna (c. 1749-c. 1712 AEC), filho de Hamurabi, e conseguiu impor uma derrota tão substancial aos babilônios que o evento foi lembrado mais de 1.000 anos depois numa inscrição do rei assírio Assurbanipal. Presume-se que com este golpe o Elã mais uma vez conquistou sua independência. Do fim da dinastia de Eparti, que deve ter ocorrido no final do século XVI AEC, nada se sabe, está sepultado em silêncio.

Após dois séculos dos quais as fontes nada revelam, o período médio elamita se iniciou com a ascensão ao poder da dinastia anzanita, cujas origens provavelmente estavam nas montanhas a nordeste do Kuzestão. A expansão política sob Khumbannumena (c. 1285-c. 1266 AEC), o quarto rei desta linhagem, progrediu rapidamente, e seus sucessos foram comemorados por sua assunção do título “Expansor do Império”. Ele foi sucedido por seu filho, Untash-Gal, contemporâneo de Shalmaneser I da Assíria (c. 1274-c. 1245 AEC) e fundador da cidade de Dur Untash (hoje conhecida como Tchogha Zanbil). Nos anos imediatamente seguintes a Untash-Gal, o Elã progressivamente encontrou-se em real ou potencial conflito com o poder crescente da Assíria. Tukulti-Ninurta I da Assíria (c. 1244-c. 1208 AEC) realizou campanhas militares nas montanhas do norte do Elã. Os elamitas sob Kidin-Khutan, segundo rei depois de Untash-Gal, reagiram com uma incursão devastadora e bem sucedida em Babilônia. Todavia, finalmente, o poder assírio parece ter se tornado muito grande. Tukulti-Ninurta conseguiu expandir, em um breve período, o controle assírio ao extremo sul da Mesopotâmia, e Kidin-Khutan desapareceu na obscuridade, terminando a dinastia anzanita.
Após um pequeno período de problemas dinásticos, a segunda metade do período médio elamita se iniciou com o reinado de Shutruk-Nahhunte (c. 1160 AEC). Dois reis igualmente poderosos e dois menos influentes se seguiram a esse fundador de uma nova dinastia, que provavelmente governava em Susa, e nesse período o Elã se tornou uma das grandes potências militares do Oriente Médio. Tukulti-Ninurta morreu por volta de 1208 AEC, e a Assíria entrou em um período de fraqueza interna e conflito dinástico. O elã rapidamente tirou vantagem desta situação fazendo extensivamente campanhas na região do rio Diyala penetrando no coração da Mesopotâmia. Shutruk-Nahhunte capturou Babilônia e levou para Susa como presa de guerra a estela na qual estava inscrito o famoso código legal de Hamurabi. Shilkhak-In-Shushinak, irmão e sucessor do filho mais velho de Shutruk-Nahhunte, Kutir-Nahhunte, ainda ansioso em tirar vantagem da fraqueza assíria, realizou campanhas bem mais ao norte, na região da moderna Kirkuk. Todavia, em Babilônia, a II dinastia de Isin liderou uma revolta nativa contra o controle elamita lá exercido, e o poder elamita no centro da Mesopotâmia foi finalmente rompido. O império militar elamita começou a encolher rapidamente. Nabucodonosor I de Babilônia (c. 1124-c. 1103 AEC) atacou o Elã e foi derrotado. Todavia, um segundo ataque babilônio se sucedeu, e todo o Elã foi aparentemente invadido, terminando com o período elamita médio.
É digno de atenção que durante o período elamita médio o antigo sistema de sucessão e de distribuição do poder parece ter se deteriorado. Progressivamente, o filho passou a suceder o pai, e cada vez menos se percebe a divisão de autoridade dentro de um sistema confederado. Isto provavelmente reflete um esforço para aumentar a autoridade central em Susa para a condução de campanhas militares efetivas no exterior e para manter as conquistas elamitas estrangeiras. O antigo sistema de regionalismo equilibrado com federalismo deve ter sofrido um conflito seccional e fraternal que então enfraqueceu o Elã e no período neoelamita deve ter tido suas raízes nos desenvolvimentos centrífugos dos séculos XIII e XII AEC.

Um longo período de escuridão separa o período médio do neoelamita. Em 742 AEC, um certo Huban-nugash é mencionado como rei do Elã. O país parece ter sido dividido em principados separados, com o poder central razoavelmente enfraquecido. Os cem anos seguintes testemunharam as constantes tentativas dos elamitas de interferir nos assuntos mesopotâmicos, normalmente em aliança com Babilônia, contra a constante pressão da expansão neoassíria. De vez em quando, eles tinham sucesso em sua política, tanto militar quanto diplomaticamente, mas no todo, foram forçados a desistir ante o crescente poder assírio. Problemas dinásticos elamitas locais foram de tempos em tempos agravados por interferências assírias e babilônias. Enquanto isso, o exército assírio reduziu gradualmente o poder elamita e a influência no Lurestão, ao norte. Com o tempo, essas pressões internas e externas resultaram no colapso quase total de qualquer autoridade central no Elã. Em uma série de campanhas entre 692 e 639 AEC, num esforço para organizar a bagunça política e diplomática que tinha se tornado uma dor de cabeça crônica para os assírios, os exércitos de Assurbanipal destruíram completamente Susa, encerrando assim a história da civilização elamita.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Paranthropus

Os australopitecinos robustos, membros do extinto gênero hominíneo Paranthropus (do grego para “ao lado” e anthropos “humano”), eram hominídeos bipedais que provavelmente descendiam dos australopitecinos gráceis (Australopithecus).
Todas as espécies de Paranthropus até aqui descobertas eram bipedais, e muitas viveram numa época em que espécies do gênero Homo (que possivelmente também descendiam dos Australopithecus) eram prevalentes. O Paranthropus apareceu primeiramente conforme o registro fóssil há aproximadamente 2,7 milhões de anos. A maioria das espécies de Paranthropus tinha um cérebro com cerca de 40% do tamanho daqueles dos humanos modernos. Havia certa diferenciação entre as diferentes espécies de Paranthropus, mas a maioria media aproximadamente 1,3 metros de altura e eram bastante musculosos. Acredita-se que tenham vivido em áreas arborizadas em vez das savanas habitadas pelos Australopithecus.
O comportamento do Paranthropus era bastante diferente daqueles do gênero Homo, na medida em que não eram tão adaptáveis ao seu meio ambiente ou capazes de lidar com dificuldades. Evidências disso existem na forma de sua fisiologia, que era especificamente direcionada a uma dieta de raízes e plantas. Isto o teria tornado mais dependente de condições ambientais favoráveis que os membros do gênero Homo, como o Homo habilis, que aparentemente se alimentavam de uma maior variedade de comida. Então, devido à baixa capacidade adaptativa, os Paranthropus se extinguiram sem deixar descendentes.
Em 2011, Thure E. Cerling e equipe, da Universidade de Utah, publicaram um estudo baseado no carbono do esmalte de 24 dentes de 22 indivíduos Paranthropus que viveram na África oriental entre 1,4 e 1,9 milhões de anos. Um tipo de carbono é produzido a partir de folhas de árvores, nozes e frutas, e outro de gramas e plantas gramíneas chamadas caniços. Seus resultados revelaram que o Paranthropus boisei ao contrário das teorias prévias, não comia nozes, mas se alimentava muito mais pesadamente de gramíneas que qualquer outro ancestral ou parente humano estudado até agora. Apenas uma espécie extinta de babuíno comia mais grama. Um dos coautores deste artigo é Meave Leakey, nora de Mary e Louis Leakey.

O biólogo evolucionário Richard Dawkins observa que “talvez várias diferentes espécies” de hominídeos robustos, “assim como suas afinidades e seu número exato de espécies são ardentemente controversas. Os nomes que foram ligados a várias dessas criaturas são Australopithecus (ou Paranthropus) robustus, Australopithecus (ou Paranthropus ou Zinjanthropus) boisei e Australopithecus (ou Paranthropus) aethiopicus”. Opiniões diferem quanto a se as espécies P. aethiopicus, P. boisei e P. robustus deveriam ser incluídas dentro do gênero Australopithecus. O surgimento dos robustos poderia ser uma mostra de evolução convergente ou divergente. Não há atualmente consenso na comunidade científica se as espécies de P. aethiopicus, P. boisei e P. robustus deveriam ser colocadas num gênero distinto, Paranthropus, que se acredita tenha evoluído de uma linha ancestral australopitecina. Até a metade da década passada, a maioria da comunidade científica incluía todas as espécies de Australopithecus e Paranthropus em um só gênero. Atualmente, os dois sistemas taxonômicos são usados e aceitos na comunidade científica. No entanto, embora Australopithecus robustus e Paranthropus robustus sejam intercambiáveis para os mesmos espécimes, alguns pesquisadores, como Robert Broom e Bernard A. Wood, acreditam que há uma diferença entre Australopithecus e Paranthropus, e que estes deveriam ser dois gêneros distintos.

A maior parte das espécies Australopithecus (A. afarensis, A. africanus, e A. anamensis) desapareceu do registro fóssil antes do surgimento dos primeiros humanos e aparentemente elas (ou uma delas) devem ter sido ancestrais do Homo habilis, já o P. boisei e o P. aethiopicus continuaram a evoluir ao longo de um caminho separado e desvinculado dos primeiros humanos. Os Paranthropus compartilharam a Terra com alguns dos primeiros membros do gênero Homo, como o H. habilis, o H. ergaster e possivelmente até mesmo o H. erectus. O A. afarensis e o A. anamensis tinham, na maior parte, desaparecido nessa época. Havia também diferenças morfológicas significativas entre Australopithecus e Paranthropus, embora as diferenças encontradas estivessem em vestígios cranianos. Os vestígios pós-cranianos ainda eram muito similares. Os Paranthropus tinham crânios e dentes mais robustos e tendiam a ostentar cristas sagitais cranianas semelhantes às dos atuais gorilas que ancoravam músculos temporais massivos para mastigação.

As espécies de Paranthropus tinham caixas cranianas menores que as do Homo, mas que eram maiores que as dos Australopithecus. O gênero Paranthropus é associado a ferramentas de pedra no sul e no leste da África, embora haja considerável debate se elas foram feitas e utilizadas por estes australopitecinos robustos ou por seus contemporâneos do gênero Homo. A maior parte da comunidade científica acredita que os primeiros Homo eram os fabricantes de ferramentas, mas fósseis de mãos encontrados em Swartkrans, na África do Sul, indicam que a mão do Paranthropus robustus já estava também adaptada para agarrar com precisão e para o uso de ferramentas. A maioria das espécies de Paranthropus parece quase certamente não ser capaz do uso da linguagem ou de ter controlado o fogo, embora eles estejam diretamente associados a este último em Swartkrans.

Um crânio parcial e uma mandíbula de Paranthropus robustus foram descobertos em 1938 por um estudante, Gert Terblanche, em Kromdraai (70 km a sudoeste de Pretória) na África do Sul. Ele foi descrito como um novo gênero e espécie por Robert Broom do Museu Transvaal. O sítio tem sido escavado desde 1993 por Francis Thackeray também do Museu Transvaal. Esse primeiro fóssil foi datado em pelo menos 1,95 milhões de anos.
O Paranthropus boisei foi descoberto por Mary Leakey em 17 de julho de 1959, no sítio da garganta de Olduvai na Tanzânia. Ela estava trabalhando sozinha, porque Louis Leakey estava adoentado. Em suas notas, Louis registrou um primeiro nome, Titanohomo mirabilis, refletindo a sua impressão inicial de afinidade humana próxima. Louis e Mary passaram a chamá-lo de “Dear Boy”. Ele estava em um contexto com ferramentas olduvaienses e ossos de animais. A descrição do fóssil foi publicada na Nature de 15 de agosto de 1959. Nela Louis colocou o fóssil na família australopitecina, criando um novo gênero para ele, Zinjanthropus, espécie boisei. “Zinj” é uma antiga palavra árabe para a costa leste da África e “boisei” era uma referência a Charles Boise, um benfeitor antropológico dos Leakeys. Louis tinha considerado o gênero de Broom, Paranthropus, mas o rejeitou porque acreditava que Zinj fosse ancestral do gênero Homo, mas o fóssil descoberto na África do Sul não.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Átila, o huno

Átila se tornou rei dos hunos em algum momento depois de 435 e governou até sua morte, em 453. Os hunos eram guerreiros ferozes que incutiram terror nos corações dos habitantes do Império Romano. Vivendo na Grande Planície Húngara, eles dominaram a fronteira norte do Império Romano, cobrando tributo dos imperadores do Ocidente e do Oriente, principalmente da rica Constantinopla. Os romanos consideravam os hunos bárbaros selvagens, e contos sobre a crueldade huna são abundantes na literatura romana posterior. Na época de Átila, os hunos não eram mais arqueiros montados nômades. Estabelecidos na Hungria, eles desenvolveram uma infantaria, e se diferenciavam das outras tribos bárbaras da fronteira romana pela sua habilidade em sitiar de maneira bem sucedida cidades fortificadas.
No final da década de 440, Átila estava visando o oeste, e em 451 ele atravessou o Reno e penetrou na Gália, tomando Reims, Mainz, Estrasburgo, Colônia e Trier. Paris resistiu, até que os hunos então partiram para a Gália Central e sitiaram Orleans. Nesse ponto, o general Aécio mobilizou uma força de romanos e aliados bárbaros (alanos e visigidos) e se deslocou para encontrar os hunos. Na batalha de Châlons, Aécio derrotou Átila e sob considerável crítica, permitiu que se retirasse cruzando o Reno de volta. Mas, por enquanto, o Império Romano Ocidental estava a salvo.
No ano seguinte, Átila e os hunos cruzaram os Alpes e penetraram na Itália, deixando um rastro de destruição. A grande cidade de Aquileia, às margens do Adriático, foi apagada do mapa (os habitantes que sobreviveram depois fundaram a cidade de Veneza). As principais cidades do vale do Pó ante os invasores: Milão, Verona e Pádua. Parecia que toda a Itália seria tomada.
De acordo com uma lenda, o papa Leão I encontrou Átila no norte da Itália e o impressionou com as vestes sacerdotais e com bravatas. Segundo ele, um grande milagre ocorreu: São Pedro e São Paulo apareceram para Átila e ameaçaram o líder huno com a morte se ele ignorasse os apelos do papa. Mais provavelmente, Átila decidiu desistir da Itália porque suas tropas estavam começando a sofrer com doenças e coma falta de suprimentos. Seja lá o que tenha ocorrido, Átila abandonou a invasão, e a Itália foi salva.
Átila morreu no ano seguinte, de uma hemorragia nasal, enquanto celebrava o seu casamento com uma nova e jovem esposa. O seu nome e o dos hunos se tornaram sinônimo de selvageria. Átila, “o flagelo dos deuses”, não deixou nenhum líder poderoso para substitui-lo, e os hunos rapidamente desapareceram das páginas da história.