sábado, 23 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 11: culturas regionais, mochicas, Chimu e estilo de vida

Chan Chan, capital de Chimu.
Culturas regionais e um novo horizonte
Por volta de 300 AEC, Chavín estava em declínio, e qualquer que fosse a unidade do estilo Chavín amplamente disseminado, ele foi perdido. O mundo andino agora era caracterizado pelos centros regionais, cada um com suas próprias tradições culturais e artísticas. Este foi um período sem unidade política, mas que produziu algumas das mais belas artes andinas. A agricultura irrigada produziu uma ampla variedade de safras, a domesticação de lhamas e animais relacionados, populações densas e sociedades hierárquicas podiam ser encontradas em vários lugares. Algumas sociedades, como Nazca no litoral sul e Moche no norte, produziram cerâmicas e tecelagens excelentes.
A tecelagem nazca alcançou uma alta posição nas Américas. A descoberta na década de 1920 de um grupo de múmias esplendidamente vestidas em Paracas, próximo a Nazca, revelou as realizações artísticas desses antigos tecelões. Mais de cem cores eram usadas e muitas técnicas de tecelagem e tipos de tecido eram produzidos; os desenhos eram frequentemente abstratos. A planície próxima a Nazca é também o ambiente de grandes figuras de vários animais, que cobrem muitas centenas de metros e que apenas podem ser vistas de muito alto. Também há grandes linhas retas ou caminhos que cortam a planície e parecem ser orientadas na direção de grandes montanhas ou pontos celestes. Por que estas linhas e desenhos foram feitos é uma incógnita.
O estado mochica (200-700), no vale do Moche e no litoral a norte de Chavín, mobilizou trabalhadores para construir grandes templos de tijolos de argila, residências e plataformas. Os artesãos produziam joias de ouro e prata e ferramentas de cobre. A arte cerâmica alcançou um ponto elevado; as cenas na cerâmica mochica retratam governantes recebendo tributo e executando prisioneiros. Nobres, sacerdotes, fazendeiros, soldados e escravos também são retratados em formas bastante naturais; muitos vasos são claramente retratos de membros individuais da elite. Os mochicas também produziram um grande número de vasos cerâmicos extremamente explícitos mostrando uma variedade de atividades sexuais. Estas cenas estão quase em ambientes domésticos e indicam descrições da vida diária ao invés de uniões rituais.
Moche expandiu seu controle pela conquista. A arte mochica contém muitas representações de guerra, prisioneiros e cabeças cortadas como troféus. Há também evidências arqueológicas de fortes e postos militares em topos de montes. Politicamente, Moche e outros estados regionais parecem ter sido estados militares ou tribos de chefatura, sustentados pela agricultura extensiva irrigada e muitas vezes em guerra.
Uma ideia da vida na sociedade moche foi espetacularmente revelada com a descoberta em 1988 da tumba de um sacerdote-guerreiro. Sepultado com servos e com seu cachorro, este nobre estava coberto com ornamentos de ouro, prata e cobre, tecidos magníficos e joias. As cenas desenhadas nesses objetos e na cerâmica sepultada com ele incluem prisioneiros cativos, sacrifício ritual e guerra.
Este padrão de desenvolvimento regional continuou até cerca de 300 EC, quando dois grandes centros, Tihuanaco às margens do lago Titicaca e Huari, no sul do Peru, começaram a emergir como grandes estados. Não se sabe ao certo a dimensão do controle político centralizado que eles exerceram, mas como no caso anterior de Chavín, os símbolos religiosos e o estilo artístico associados a esses centros se tornaram amplamente difundidos no mundo andino, criando talvez um segundo horizonte ou Horizonte Intermediário (c. 300-900) aproximadamente contemporâneo dos maias clássicos e de Teotihuacán na Mesoamérica.
Tihuanaco era um centro urbano cerimonial com uma população de talvez 40.000 pessoas, sustentada pela agricultura irrigada extensiva. O trabalho arqueológico recente revelou um sistema extensivo de campos elevados, irrigados por canais, que seriam de alto rendimento. Os habitantes de Tihuanaco provavelmente falavam aimará, língua que ainda é falada hoje na Bolívia. O estilo artístico de Tihuanaco e representações de seus deuses se espalharam por todo o sul dos Andes.
No modelo andino típico, Tihuanaco estendeu seu controle político a colônias tão longínquas quanto no Chile e nos declives andinos orientais para assegurar o acesso à pesca, à coca e às plantas tropicais – os produtos de diferentes zonas ecológicas. Huari deve ter começado como uma colônia de Tihuanaco, mas como o tempo ela exerceu ampla influência sobre a maior parte da zona norte-andina. Enquanto o período de seu controle foi relativamente curto, a área urbana de Huari no final das contas cobria mais de 15 km² e sua influência foi disseminada pela construção de um sistema de estradas.
O Horizonte Intermediário, representado por Tihuanaco e Huari, chegou ao fim no século IX, aproximadamente ao mesmo tempo do fim do período clássico na Mesoamérica. Se esses dois processos estiveram conectados ainda não se sabe. Com o declínio dessas culturas expansivas no Peru, outro período de desenvolvimento regional se seguiu à medida que diferentes povos, especialmente aqueles ao longo do litoral, tentaram estabelecer controle sobre seus vizinhos. O estado Chimu no litoral norte, baseado em sua magnífica capital Chan Chan, com o tempo passou a controlar mais de 950 km da zona costeira.
O estado Chimu, fundado por volta de 800, ainda estava se expandindo quando foi conquistado pelos incas em 1465. Neste período, outros pequenos estados se formaram. Do oeste do lago Titicaca ao litoral do Pacífico, os lupacas criaram um reino. Nas margens do lago e nos ricos vales do declive oriental dos Andes, outras pequenas chefaturas se formaram. Enquanto isso, vários grupos étnicos estavam lutando pelo controle de seus vizinhos no altiplano. Um destes, um grupo de clãs falantes de quéchua, ou ayllus, passou a controlar as terras altas em torno de Cuzco e começou a se expandir, especialmente após 1400. Tratava-se dos incas, que estavam no centro da criação de um novo horizonte de controle centralizado e influência cultural considerável sobre os vários grupos étnicos e linguísticos do mundo andino do Equador ao Chile, quando os europeus chegaram em 1532.

Modos de vida andinos
Embora seja difícil reconstruir a maior parte da organização social e política das primeiras sociedades andinas com base na evidência arqueológica, pelo uso de observações do período inca junto com materiais arqueológicos podem-se identificar algumas características. A verticalidade já foi tratada (o controle de vários nichos econômicos em diferentes altitudes) como um princípio da vida andina. Este controle e a autossuficiência relacionada era às vezes o objetivo dos estados, mas também era a meta de famílias e comunidades. Os grupos de parentesco eram outra constante do mundo andino.
Os povos andinos estavam divididos em grupos étnicos e falavam várias línguas, embora o aimará predominasse nas terras altas bolivianas e os incas depois tenham disseminado o quéchua a partir dos Andes centrais para o litoral e para o norte até o Equador. Apesar das diferenças étnicas e linguísticas, as comunidades eram geralmente compostas por famílias, que juntas reconheciam alguma forma de parentesco. Estas unidades de parentesco, ou ayllus, traçavam descendência de algum ancestral comum, às vezes mítico, e se referiam aos outros membros do ayllu como irmãos e irmãs. As pessoas normalmente se casavam dentro do seu próprio ayllu. O ayllu consignava a cada família terras e acesso aos rebanhos e à agua. Mas os direitos e os acessos não eram iguais para todas as famílias dentro de um ayllu. Os ayllus eram frequentemente divididos em metades, que podiam ter diferentes funções e cargos. Esta era uma forma de organização que os povos das civilizações das terras altas compartilhavam com muitas tribos da floresta amazônica.
Havia também líderes comunitários e chefes ayllus, ou curacas, com privilégios na vestimenta e no acesso aos recursos. Os grupos de ayllus compartilhavam um dialeto similar, costumes e roupas distintivas que os unia em grupos étnicos, e às vezes vários desses grupos eram forjados em um estado. Os laços de parentesco eram usados para mobilizar a comunidade para o trabalho cooperativo e para a guerra. O ayllu era a organização básica, e o parentesco fornecia um entendimento da cooperação e do conflito da aldeia ao império. Alguns autores têm sugerido que, até mesmo nos grandes estados, os conflitos ocorriam mais frequentemente entre ayllus ou grupos de ayllus que entre as classes sociais secundárias.
O princípio de reciprocidade que estava sob a organização cooperativa do ayllu inspirava a maior parte da vida social andina. As obrigações mútuas existiam em muitos níveis – dentro da família entre homens e mulheres, entre grupos familiares dentro do ayllu e entre os curacas, de quem se esperava que representasse os interesses dos ayllus. Finalmente, em teoria pelo menos, a reciprocidade também existia entre comunidades e um grande estado, tal como Huari, do qual em troca por trabalho e tributo se esperava que fornecesse acesso aos bens e mobilizasse grandes projetos, tais como irrigação ou construção de terraços, que beneficiariam a comunidade. A reciprocidade também influenciava a crença religiosa. Os povos andinos viviam em um mundo onde os espíritos e poderes sagrados, ou huacas, eram visíveis em cavernas, montanhas, rochas, rios e em outros fenômenos naturais. O culto dos huacas e das múmias dos ancestrais (que também eram consideradas sagradas e parte da vida religiosa andina), pelo menos a partir do período Nazca, também era uma questão de troca recíproca.

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