quinta-feira, 21 de julho de 2011

Américas antes de Colombo - Parte 9: Tenochtitlán

A fundação do paraíso: Tenochtitlán, a grande cidade
A cidade-estado com seu governante porta-voz era um conceito básico do México central e se aplicava a Tenochtitlán, a capital asteca. Os mexicas se consideravam herdeiros das tradições toltecas e de suas cidades, como a nova Tula. Começando modestamente, Tenochtitlán se tornou uma grande metrópole, com uma zona central de palácios e templos pintados de branco rodeados por bairros residenciais de tijolos de argila, pequenos palácios e mercados. A área do templo era dominada pela grande pirâmide e pelos templos idênticos de Huizilopochtli e Tlaloc (este recentemente escavado pelos arqueólogos). O templo redondo de Quetzalcoatl, a escola para o sacerdócio e uns setenta outros edifícios estavam dentro ou próximos da área. A arte e a arquitetura eram excelentes. Hernán Cortés, o conquistador espanhol que viu a cidade, relatou pessoalmente: “As construções de pedra e de madeira são igualmente boas, não poderiam ser melhoradas em nenhum lugar”. Havia jardins e um zoológico mantido pelo governante. A nobreza tinha casas de dois andares, às vezes com jardins nas coberturas.
Tlatelolco, inicialmente uma cidade separada em outra ilha, foi finalmente incorporada como parte de Tenochtitlán. Ela também tinha templos e palácios impressionantes, e seu grande mercado permaneceu sendo o lugar mais importante de comércio e trocas. Os projetos de construção de vários governantes mexicas aumentaram o tamanho e a beleza da cidade. Em 1519, a cidade cobria perto de 13 km². Ela tinha uma população de 150.000 pessoas, maior do que as de cidades contemporâneas europeias como Sevilha ou Paris.
A localização da ilha deu a Tenochtitlán um caráter peculiar. Posicionada no centro de um lago, a cidade era ligada às margens por quatro amplas trilhas elevadas. Como a cidade estava construída sobre uma ilha e sobre aterros, ela era cruzada por canais que permitiam o tráfego constante de canoas e o acesso ao lago. Longe do centro da cidade, as famílias cultivavam jardins flutuantes, ou chinampas. Cada uma das mais de 60 divisões da cidade era controlada por um calpulli, ou grupo familiar, e cada um mantinha seus templos de vizinhança e edifícios cívicos. A cidade era abastecida principalmente por transporte por canoas, embora houvesse aquedutos que traziam água fresca. Um dique foi construído para manter as águas salobras da porção leste do lago longe da cidade e da zona agrícola. Havia pequenas comunidades em ilhas e, ao longo das margens do lago, havia outras vilas e cidades densamente povoadas. O êxito estrutural era impressionante.
Um soldado de infantaria espanhol que viu a cidade em 1519 escreveu:
 
“Vendo paisagens tão maravilhosas, não sabíamos o que dizer. Será que o que
apareceu diante de nós era real? Por um lado, na terra, havia grandes cidades, e no
lago muito mais, e o lago estava apinhado de canoas, e na estrada elevada havia
muitas pontes em intervalos, e na nossa frente se erguia a grande cidade do México.”
 
Descrições tão realistas de observadores ocidentais relatam apenas uma porção da história. Tenochtitlán tinha uma organização interna que reproduzia o universo religioso e social asteca. Suas quatro estradas elevadas estavam associadas com as quatro direções cardeais e com os deuses de cada uma delas. Dentro da cidade, os bairros estavam organizados em pares de 20 grupos corporativos comunais e em vários agrupamentos de manutenção, cada um com seu templo comunitário e sua escola para manter. O ciclo de festivais, o calendário e a cosmologia da religião asteca eram representados fisicamente pela organização da cidade e pelo lugar e hierarquia dos grupos corporativos dentro dela. Tais agrupamentos eram baseados em ocupações, residência ou etnia. Este último agrupamento era importante porque Tenochtitlán e os próprios astecas incluíam grandes populações étnicas não astecas até mesmo em suas origens. Na verdade, a maior parte do mito asteca e da história oficial era desenhada para criar um povo unificado fora de uma aglomeração de grupos.
Tenochtitlán era o coração de um império e cobrava tributo e apoio de seus aliados e dependentes, mas em teoria ela era apenas uma cidade-estado governada por um líder, exatamente como as outras 50 ou mais cidades-estado do planalto central. Mesmo assim, os astecas a chamavam de “fundação do paraíso”, a base de seu poder. Ela foi uma grande cidade mundial, mas diferente de Roma ou Atenas, Tenochtitlán foi depois tão completamente obliterada que, mesmo durante a vida de seus conquistadores, um deles lamentou que “tudo está derrubado e perdido, nada restou de pé”. A atual Cidade do México localiza-se no lugar da antiga capital asteca.

Alimentando o povo: a economia do império
A alimentação da grande população de Tenochtitlán e da confederação asteca em geral dependia das formas tradicionais de agricultura e das inovações desenvolvidas pelos astecas. As terras dos povos conquistados eram frequentemente desapropriadas, e comida era às vezes demandada como tributo. De fato, as quantidades de milho, feijão e de outros alimentos trazidos para Tenochtitlán anualmente eram descomunais. No lago e em volta dele, no entanto, os astecas adotaram um engenhoso sistema de agricultura irrigada pela construção de chinampas para cultivo. Havia canteiros de ervas aquáticas, lodo e terra que eram colocados em armações feitas de varas fixadas no fundo do lago. Eles formavam ilhas flutuantes artificiais de cerca de 5 metros de comprimento e de 30 a 100 metros de largura. Esta construção estreita permitia que a água alcançasse todas as plantas, e salgueiros também eram plantados em intervalos para fornecer sombra e ajudar a fixar as raízes. A maior parte do terreno de Tenochtitlán era originalmente chinampa, e na extremidade sul do lago, mais de 20.000 acres de chinampas foram construídas.
O rendimento da agricultura chinampa era alto e quatro safras de milho por ano eram possíveis. Aparentemente, este sistema de agricultura irrigada era usado no período pré-clássico, mas um aumento no nível dos lagos impossibilitou sua continuidade. Após 1200, todavia, a diminuição dos níveis dos lagos novamente estimulou a construção de chinampas, com os astecas realizando-as em larga escala. Eles também construíram diques para separar as águas potáveis nas partes sul e oeste do lago das águas salobras das outras partes. Atualmente, os cultivos flutuantes de Xochimilco representam os vestígios da agricultura do lago.
A produção dos camponeses astecas e os tributos forneciam os alimentos básicos. Em cada comunidade asteca, o clã local partilhava as terras, parte das quais eram separadas para o sustento dos templos e do estado. Além disso, alguns nobres podiam também ter propriedades privadas que eram trabalhadas por servos ou escravos dos povos conquistados. Cada comunidade tinha comercializações periódicas – de acordo com vários ciclos no sistema de calendários, como a cada cinco e treze dias – onde uma ampla variedade de bens era trocada. Sementes de cacau e pó de ouro eram às vezes usados como moeda, mas a maior parte do comércio era feita por escambo. O grande mercado em Tlatelolco operava diariamente e era controlado por uma classe mercantil especial, ou pochteca, que era especializada no comércio de longa distância de itens luxuosos tais como plumas de aves tropicais e cacau. Os mercados eram altamente regulamentados e estavam sob o controle de inspetores e juízes especiais. Apesar da existência e da importância dos mercados, esta não era uma economia de mercado da forma que nós conhecemos.
O estado controlava o uso e a distribuição de muitas commodities e servia para redistribuir as vastas levas de tributos recebidas dos povos subjugados. Os níveis de tributos eram determinados pela forma que os povos foram subjugados: se aceitaram o domínio asteca ou se tinham lutado contra esse domínio. Aqueles que haviam se rendido pagavam menos. Os tributos pagos eram vários: alimento, escravos, vítimas sacrificiais e uma ampla variedade de commodities. Por exemplo, mais de 120.000 mantas de tecido de algodão eram coletadas como tributo a cada ano e enviadas a Tenochtitlán. O estado asteca redistribuía estes bens. Após as conquistas, a nobreza era recompensada abundantemente, mas os plebeus recebiam bem menos. A redistribuição de muitos bens pelo estado interferia no funcionamento normal do mercado e criava uma peculiar economia mista controlada pelo estado.

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