quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Magna Carta

Em 1215, graças aos anos de políticas exteriores malsucedidas e demandas por tributações elevadas, o rei João da Inglaterra estava encarando uma possível rebelião dos poderosos barões do país. Sob pressão, ele concordou com uma carta de permissões conhecida com Magna Carta (“Grande Carta” em latim) que o colocaria e todos os futuros soberanos da Inglaterra sob um documento que limitaria os poderes do monarca. Apesar de inicialmente não ter sido bem sucedido, o documento foi reemitido (com alterações) em 1216, 1217 1225, e finalmente serviu como a base para o sistema inglês de direito comum. Gerações posteriores de ingleses celebrariam a Magna Carta como um símbolo de liberdade da opressão, assim como o fizeram os Pais Fundadores dos Estados Unidos da América, que em 1776 enxergaram a carta como um precedente histórico para afirmar sua liberdade da coroa inglesa.
João (o filho mais novo de Henrique II e Leonor da Aquitânia) não foi o primeiro rei inglês a fazer concessões a seus cidadãos na forma de uma carta, embora ele tenha sido o primeiro a fazê-lo sob a ameaça de uma guerra civil. Ao assumir o trono em 1100, Henrique I emitiu uma Carta de Coroação na qual ele prometia limitar os impostos e confiscos dos rendimentos da igreja, entre outros abusos de poder. Mas ele continuou a ignorar estes preceitos, e os barões não tinham o poder para forçá-lo a cumpri-los. Todavia, eles depois ganharam mais influência como resultado da necessidade da coroa de financiar as cruzadas e pagar um resgate pelo irmão e predecessor de João, Ricardo I Coração de Leão, que tinha sido feito prisioneiro pelo imperador Henrique VI da Alemanha durante a Terceira Cruzada.
Em 1199, quando Ricardo morreu sem deixar um herdeiro, João foi forçado a competir com um rival pela sucessão com seu sobrinho Artur (o jovem filho de seu falecido irmão Geoffrey, duque da Bretanha). Após guerrear contra o rei Filipe II da França, que apoiou Artur, João foi capaz de consolidar o poder. Ele imediatamente irritou muitos antigos partidários com seu cruel tratamento de prisioneiros (incluindo Artur, que provavelmente foi assassinado por ordem de João). Em 1206, a guerra reiniciada com a França lhe causou a perda dos ducados da Normandia e de Anjou, entre outros territórios.
Uma contenda com o papa Inocêncio III, iniciada em 1208, causou danos ao prestígio de João, e ele se tornou o primeiro soberano inglês a sofrer o castigo da excomunhão (Henrique VIII e Elizabeth I também foram excomungados). Após outra desconcertante derrota militar para a França em 1213, João tentou reabastecer seus cofres – e reconstruir sua reputação – pela exigência da jugada (pagamento em dinheiro no lugar do serviço militar) aos barões que não tinham se juntado a ele no campo de batalha. Nesta época, Stephen Langton, a quem o papa nomeara arcebispo de Canterbury com a oposição inicial de João, canalizou a intranquilidade dos barões e pressionou progressivamente o rei por concessões.
Com as negociações em impasse no começo de 1215, a guerra civil estourou, e os rebeldes – liderados pelo barão Robert FitzWalter, adversário de longa data de João – conquistaram o controle de Londres. Encurralado, João capitulou, e em 15 de junho de 1215, em Runnymede (localizada junto ao rio Tâmisa, agora no condado de Surrey), ele aceitou os termos que incluíam um documento chamado “Artigos dos Barões”. Quatro dias depois, após modificações, o rei e os barões emitiram uma versão formal do documento, que se tornaria conhecido como Magna Carta. Planejada como um tratado de paz, a carta fracassou em seus objetivos, com a guerra civil eclodindo três meses depois. Após a morte de João em 1216, os conselheiros de seu filho e sucessor de nove anos, Henrique III, reemitiram a Magna Carta com algumas de suas mais controversas removidas, prevenindo assim futuros conflitos. O documento foi novamente reemitido em 1217 e de novo em 1225 (em troca de uma concessão de cobrança de impostos ao rei). Cada emissão subsequente da Magna Carta acompanhou a versão “final” de 1225.
Escrita em latim, a Magna Carta foi efetivamente a primeira constituição escrita na história europeia. Suas 63 cláusulas, muitas de relacionavam aos vários direitos de propriedade dos barões e de outros cidadãos poderosos. Os benefícios da carta foram por séculos reservados apenas às classes da elite, enquanto a maioria dos cidadãos ingleses ainda carecia de uma voz no governo. No século XVII, no entanto, duas leis definiram a legislação inglesa – a Petição de Direito de 1628 e o Habeas Corpus Act de 1679 – comentados na Cláusula 39, que afirma que “nenhum homem livre deve ser... aprisionado ou usurpado (desapropriado)... exceto por julgamento legal de seus pares ou pela lei do país”. A Cláusula 40 (“A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou impediremos direito ou justiça”) também teve expressivas implicações nos futuros sistemas legais da Grã-Bretanha e dos estados Unidos.
Em 1776, os colonos rebeldes americanos viram a Magna Carta como um modelo para suas demandas de liberdade da coroa inglesa. Seu legado é especialmente evidente na Declaração de Direitos e na Constituição dos Estados Unidos, e em nenhuma parte é mais que na Quinta Emenda (“nem qualquer pessoa deve ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem o devido processo legal”), que ecoa a Cláusula 39. Muitas constituições também incluem ideias e frases que podem ser traçadas diretamente a este documento histórico prestes a completar oito séculos de existência.

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