segunda-feira, 4 de julho de 2011

As primeiras cidades: berços da civilização

Çatal Hüyük, Turquia.
Por volta de 7000 AEC, as técnicas de produção agrícola no Oriente Médio tinham alcançado um nível no qual era possível sustentar milhares de pessoas, muitas das quais não trabalhavam na agricultura, nos assentamentos densamente povoados. Duas dessas povoações mais antigas estavam em Jericó, no que hoje é a Cisjordânia ocupada por Israel, e em Çatal Hüyük, no sul da atual Turquia. Com populações de aproximadamente 2.000 e de 4.000 a 6.000 pessoas respectivamente, Jericó e Çatal Hüyük seriam vistas hoje como pouco mais que vilarejos grandes ou pequenas cidades. Mas, na perspectiva do desenvolvimento cultural humano, elas representaram os primeiros movimentos da vida urbana. Nestes e em outros assentamentos neolíticos do Oriente Médio, a especialização ocupacional e a formação de grupos de elite religiosos e político-militares avançaram significativamente. O comércio se tornou essencial para a sobrevivência da comunidade e era realizado, talvez por mercadores especializados, com pessoas a distâncias consideráveis. Artigos de cerâmica, de metal trabalhado e joias foram altamente desenvolvidos. Em Çatal Hüyük particularmente, esculturas e pinturas de parede foram feitas com alto nível de sofisticação.
Nestes dois antiquíssimos centros, os ingredientes principais de civilização se reuniram. Os excedentes agrícolas eram suficientes para sustentar produtores não agrícolas e líderes políticos e religiosos. A interação desses grupos resultou numa explosão de criatividade e inovação numa ampla variedade de campos. Mas estes primeiros centros estavam bastante isolados. Eles eram nada mais que pequenas ilhas de cultivadores sedentários e um pequeno número de habitantes urbanos, rodeados por vastas planícies e florestas. Os centros urbanos mais antigos parecem ter realizado comércio extensivamente, mas mantinham apenas contatos limitados e intermitentes como os povos caçadores-coletores vizinhos. Embora pequenas em tamanho e muito menos especializadas se comparadas com as cidades da Suméria e de outras civilizações antigas, não obstante desempenharam papéis decisivos na progressiva transformação neolítica. As elites governantes e os artesãos especialistas dessas cidades contribuíram de várias maneiras importantes para a introdução, no quarto milênio AEC, de invenções fundamentais – como a roda, o arado, a escrita e o uso do bronze – que asseguraram o futuro da vida civilizada como o padrão central da história humana.
Jericó – a proximidade do rio Jordão e as águas profundas e límpidas de uma nascente de oásis foram importantes para repetidos assentamentos humanos no lugar onde a cidade de Jericó foi construída. Por volta de 7000 AEC, mais de 10 acres no local estavam ocupados por casas redondas de feitas de barro e tijolo sobre fundações de pedra. A maioria destas casas antigas tinha apenas um cômodo com pisos de barro e teto em forma de cúpula, mas algumas casas tinham até três cômodos. A entrada destas residências sem janelas era feita por um portal único de madeira e degraus descendentes até o vão principal subterrâneo. Embora não haja evidências de que a cidade fosse fortificada nos primeiros estágios de seu crescimento, sua crescente riqueza tornou progressivamente imperativa a construção de muros de proteção contra inimigos externos. A cidade era rodeada por um canal escavado no solo rochoso e por um muro alcançando quase 3,7 metros de altura. A escavação extensiva necessária para esta construção é bastante impressionante porque as pessoas que as fizeram não dispunham de pás ou picaretas. As pedras para a muralha foram retiradas de um leito de rio a um quilômetro e meio de distância. Estas façanhas de transporte e construção sugerem não apenas uma força de trabalho de tamanho considerável, mas que também era bem organizada e disciplinada.
Quando Jericó foi reconstruída nos séculos seguintes, a muralha alcançou uma altura perto de 4,5 metros, e as fortificações incluíam uma torre de pedra de pelo menos 7,6 metros de altura. A área coberta pela cidade aumentou. As casas redondas deram lugar a casas retangulares, com entradas de madeira mais amplas e mais elaboradas. As casas eram construídas de tijolos aprimorados, possuíam lareiras de argamassa e moinhos de pedra para a moagem de grãos e eram mobiliadas com cestos de armazenamento e esteiras de palha. Além disso, pequenas construções que eram usadas como santuários religiosos foram encontradas em estágios posteriores da história da cidade.
Embora a economia de Jericó fosse baseada principalmente no cultivo de trigo e cevada, há evidências consideráveis de que a cidade também dependia da caça e do comércio. Cabras domesticadas forneciam carne e leite, enquanto gazelas e vários pássaros eram caçados pela carne, peles e penas. A cidade estava próxima de grandes reservas de sal, enxofre e piche. Estes materiais, que eram bastante demandados à época, eram permutados por pedras semipreciosas de obsidiana – rocha vulcânica vítrea escura – da Anatólia, turquesa do Sinai e conchas do mar Vermelho.
As ruínas escavadas em Jericó indicam que a cidade era governada por um grupo dominante distinto e bastante poderoso, que provavelmente era aliado dos guardiões dos centros de adoração. Provavelmente havia artesãos especializados e uma pequena classe mercantil. Além das estatuetas de fertilidade e dos animais entalhados encontrados em muitos outros sítios, os habitantes de Jericó esculpiam cabeças e figuras humanas de tamanho real altamente naturalísticas. Estas esculturas, que devem ter sido usadas em cultos ancestrais, dão-nos impressões realistas das características físicas das pessoas que desfrutavam da riqueza e da segurança de Jericó.
Çatal Hüyük – A primeira comunidade neste local no sul da Turquia foi edificada por volta de 7000 AEC, um pouco depois dos mais antigos assentamentos de Jericó. Mas a cidade que cresceu em Çatal Hüyük era bem mais extensa que Jericó e continha uma população maior e mais diversificada. Çatal Hüyük era na realidade o centro humano mais avançado do Neolítico. No auge de seu poder e prosperidade, a cidade ocupava 32 acres e mantinha cerca de 6.000 pessoas. Suas construções retangulares, que eram centros de vida familiar e interação comunitária, eram consideravelmente uniformes – feitas de tijolos de barro seco. Tinham janelas altas em suas paredes e as entradas eram buracos em seus tetos planos. Estas passagens também serviam como chaminés para as lareiras das casas. As casas eram unidas para prover fortificação à cidade. O movimento dentro do assentamento era feito principalmente através dos tetos e dos terraços das casas. Visto que cada residência tinha um grande depósito, quando a escada para o telhado era retirada, elas se tornavam fortalezas separadas dentro de um grande complexo.
A padronização das habitações e construções em Çatal Hüyük sugere um grupo governante até mais imponente que aquele encontrado em Jericó. Os muitos santuários religiosos encontrados no sítio também indicam a existência de uma classe sacerdotal poderosa. Os santuários eram construídos da mesma forma que as casas comuns, mas continham capelas rodeadas por quatro ou cinco salas relacionadas às cerimônias do culto. As paredes desses centros religiosos eram ornadas com pinturas de touros e comedores de carniça, principalmente abutres, sugerindo cultos de fertilidade e ritos associados com a morte. As estátuas que sobreviveram indicam que a deidade principal de Çatal Hüyük era uma deusa, que é de diversas maneiras retratada como uma mulher jovem dando à luz ou cuidando de uma criança pequena, e como uma mulher velha acompanhada por um abutre.
A importância óbvia dos santuários de culto e as elaboradas práticas de sepultamento das pessoas de Çatal Hüyük revelam o papel crescente da religião nas vidas dos povos neolíticos. As esculturas cuidadosamente entalhadas associadas aos santuários e as joias delicadas, espelhos e armas encontrados sepultados com os mortos atestam o alto nível de cultura material e capacidade artística alcançado pelos habitantes dessa cidade. As escavações do assentamento também revelam uma base econômica que era muito mais ampla e rica que a de Jericó. A caça ainda era realizada, mas as criações de cabras, ovelhas e bois amplamente ultrapassaram aquelas associadas a Jericó. Uma ampla variedade de alimentos era consumida pelos habitantes de Çatal Hüyük, que incluía vários, grãos, ervilhas, bagas, vinho de bagas e óleos vegetais feitos de nozes. O comércio era abrangente com as pessoas das montanhas dos arredores e de lugares tão distantes na atual Síria e na região do Mediterrâneo. Çatal Hüyük também era um centro importante de produção artesanal. Suas armas de sílex e de obsidiana, joalheria e espelhos de obsidiana estavam entre os melhores produzidos no período neolítico. Os vestígios da cultura da cidade deixam pouca dúvida de que os habitantes tinham alcançado um nível civilizado de existência.

3 comentários:

  1. Gostei do fôlego da pesquisa. Realmente, vale muito para quem aprecia navegar na História.

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  2. Mestre,
    Agradeço a visita. Lisonjeia-me.

    Abs,
    Gleidson Lins

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  3. Excelente trabalho de pesquisa. Pretendo voltar a visitar o texto para atualização do conhecimento sobre o tema e, também, recomendar.

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