quinta-feira, 7 de julho de 2011

A invenção da escrita

A invenção da escrita foi um dos grandes avanços na civilização. De fato, a escrita ajuda a assegurar a continuidade da civilização, porque transmite um registro factível da espécie humana de geração em geração.
Encontramos as evidências mais antigas de escrita na Suméria, sul da Mesopotâmia. Esse sistema mais antigo não usava um alfabeto, mas pictografias, que são símbolos representando objetos familiares. Este tipo de escrita sumeriano evoluiu tornando-se mais estilizado. Ele ficou conhecido na atualidade como cuneiforme, ou escrita em forma de cunha. Os egípcios também usavam um sistema pictográfico, mas original: os hieróglifos.
O uso de um alfabeto provavelmente se originou entre os povos habitantes da região conhecida como Fenícia entre 1700 e 1500 AEC a partir dos sistemas de escrita mais antigos, o cuneiforme e o hieroglífico. Esta escrita semítica possuía apenas consoantes; depois, os antigos gregos introduziram a ideia das vogais. O sistema de escrita chinês, também muito antigo, manteve seu caráter pictográfico em vez de desenvolver um alfabeto.
A história e a pré-história da escrita são tão longas quanto a história da própria civilização. Na verdade, o desenvolvimento da comunicação escrita foi um passo fundamental no avanço da civilização.
Apesar disso, a escrita existe há pouco mais de 5.000 anos. As mais antigas inscrições conhecidas que chegaram até nós estão em tabletes de argila feitos pelos sumerianos por volta de 3100 AEC. Os sumerianos viviam no sul da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. As mais antigas inscrições conhecidas do vale do Nilo são de 100 a 200 anos mais recentes.
A escrita é às vezes considerada a maior das invenções humanas. Vários povos desenvolveram independentemente a escrita: sumerianos, provavelmente egípcios, chineses e povos mesoamericanos. Não se sabe a identidade daqueles responsáveis pelos passos mais importantes no desenvolvimento da escrita. Seus nomes, como os dos inventores da roda, há muito se perderam na penumbra do passado.
Muito tempo antes que as mais antigas inscrições sumerianas e egípcias se desenvolvessem, as pessoas se comunicavam entre si por vários métodos diferentes. Os antigos humanos podiam expressar seus pensamentos e sentimentos através da fala, por sinais ou gestos. Eles também podiam sinalizar com fogo, fumaça, tambores ou assobios.
Estes métodos de comunicação mais antigos tinham duas limitações. Primeiro, eles estavam restritos ao tempo enquanto a comunicação ocorresse. Assim que as palavras eram faladas, os gestos eram feitos ou a fumaça era soprada pelo vento, todos não podiam ser recuperados, exceto por repetição. Segundo, estavam restritos pelo espaço. Poderiam ser usados apenas entre pessoas mais ou menos próximas umas das outras.
A necessidade de comunicação através de uma forma menos limitada pelo tempo e pelo espaço pode ter originado os primeiros desenhos e marcas sobre objetos de qualquer material sólido. Estas “mensagens” duravam tanto quanto os materiais sobre os quais foram feitas. Os humanos têm feito desenhos há milênios. As pinturas pré-históricas feitas em cavernas eram representações artísticas e realísticas do mundo do homem primitivo. Se as figuras intencionavam registrar um evento ou transmitir uma mensagem, elas eram uma forma de escrita.
Um grande número dessas figuras, desenhadas ou entalhadas na rocha, são chamadas petrogramas se são desenhadas ou pintadas e petróglifos se são entalhadas.
Tais figuras transmitiam ideias, ou significados, diretamente sem o uso de palavras, sons, ou outra forma de linguagem. Este método primitivo de comunicação é conhecido como pictografia ou ideografia, e forma a base dos caracteres chineses e japoneses atuais.
A ideia ou o significado escrito tem muitas limitações. Se alguém desejar comunicar a simples mensagem “eu matei cinco leões”, o escritor poderia começar desenhando cinco figuras separadas de leões. Ainda faltava indicar “eu matei”. Lembrando-se da forma que na verdade ele matou os leões – com uma lança, um porrete ou um arco e flecha – o escritor desenharia a sua figura segurando a arma que ele usou no ato.
Havia várias formas indiretas pelas quais o escritor poderia garantir que outra pessoa entendesse que foi ele e não outro que matou os leões. Se ele tinha pernas longas, ele poderia fazer um desenho seu com pernas bastante longas. Ele poderia se desenhar com um corte de cabelo peculiar ou com um toucado. Ele também poderia usar o artifício, amplamente usado pelos nativos americanos, de adicionar uma figura representando o seu nome – por exemplo, Búfalo Branco ou Camisa Vermelha – próximo à cabeça da figura. Tudo isso era inconveniente e envolvia uma grande quantidade de imaginação em encontrar as figuras certas para expressar os significados intencionados. Este sistema de escrita foi empregado pelos nativos norte-americanos das planícies e pelos astecas.
O método ideográfico de comunicação deve ter sido suficiente nas sociedades mais simples de caçadores e nômades. No entanto, ele não poderia se adequar às necessidades das sociedades urbanas com comércio, indústria, agricultura e burocracia estatal altamente desenvolvidos, todos envolvendo a necessidade de manter registros.
As primeiras sociedades urbanas surgiram no Oriente Médio, na Mesopotâmia ou em suas proximidades. Foi entre os rios Tigre e Eufrates que a civilização sumeriana floresceu. Aparentemente pouco tempo depois dos sumerianos, os egípcios do vale do Nilo desenvolveram sua civilização.
As escritas antigas foram influenciadas por vários fatores, particularmente pelos materiais disponíveis. As pessoas do Antigo Egito desenvolveram belos sinais, chamados hieróglifos, para fazer inscrições em tumbas e monumentos e para escrever textos religiosos e documentos importantes sobre papiro. A palavra hieróglifo origina-se de duas palavras gregas: ερός (hierós) "sagrado", e γλύφειν (glýphein) "escrita". Como o sul da Mesopotâmia era carente em pedras e em materiais adequados para fazer papel, eles imprimiam símbolos em tabletes de argila úmidos com a extremidade de um estilete de madeira ou junco. Isto produzia sinais em forma de cunha; por isso tal escrita é chamada cuneiforme, do latim cuneus, “cunha”. Para serem preservados, os tabletes eram assados após serem escritos.
A intenção básica nas novas inscrições era para expressar palavras da língua ao invés de ideias e significados. A mensagem “eu matei cinco leões” não seria expressa por figuras desenhadas em qualquer ordem. Ao invés disso, ela seria expressa em sinais desenhados na ordem das palavras dessa sentença. A palavra “eu” poderia ser expressa pelo pictograma de uma cabeça com a mão apontando para o nariz; “matei” pelo pictograma de uma lança; “cinco” por cinco marcas; e “leões” pelo pictograma de um leão.
O escriba não mais poderia escolher usar um sinal ou outro de acordo com a situação que ele estava tentando descrever. Se os leões foram mortos por uma lança, um cassetete ou por um arco e flecha, o escriba poderia usar para a palavra “matar” apenas o sinal que ele tinha aprendido a associar regularmente com essa palavra. Se na Suméria o ato de matar animais ou humanos fosse normalmente realizado com uma lança, então a figura de uma lança muito provavelmente seria escolhida como o sinal para a palavra “mata”.
Um sistema de escrita no qual sinais individuais são usados para palavras individuais da língua é chamado logográfico. Os sinais de tal sistema são chamados logogramas.
A palavra escrita representou um tremendo avanço sobre a ideia escrita. No entanto, ela ainda não era tão prática. Milhares de sinais para milhares de palavras tiveram que ser inventados – o que não era fácil – e aprendidos. Ainda era difícil expressar algumas ideias abstratas, como “vida”; nomes próprios que não tinham significados conhecidos; e formas gramaticais, como a indicação do tempo verbal ou de plurais.
Uma maneira de superar estas dificuldades foi encontrada no uso do princípio fonético, ou princípio rébus. Um exemplo seria escrever a palavra da língua inglesa “belief” (crença) desenhado as figuras de uma abelha (bee) e de uma folha (leaf). Em sumeriano, a palavra abstrata ti (vida) era difícil de expressar por uma figura. O escriba então escrevia a palavra com a figura fácil de desenhar de uma seta, que também tinha o som de ti em sumeriano. Dessa forma, uma figura era colocada para representar um som.
Com o princípio rébus, novos horizontes foram abertos para a expressão de todas as formas linguísticas, não importando o quanto fossem abstratas. Não era mais necessário passar por um processo de ginástica mental para descobrir como expressar uma palavra como “dado”, significando uma informação ou conjunto de informações. A palavra deveria ser expressa pela figura de um papiro com inscrições, uma árvore e uma lua ou por outra coisa? Com o princípio rébus, esta palavra poderia ser escrita simplesmente com o desenho de um cubo com pontos nos lados, um dado de jogar. Seu sinal é fácil de desenhar e soa como qualquer outro dado. Além disso, o sinal para dado pode ser usado foneticamente em toda e qualquer palavra onde as sílabas dado apareçam, como validado, consolidado ou enfadado. Os sistemas de escrita onde os sinais são usados para representar palavras completas de significado definido ou para sílabas são chamados escritas logográficas silábicas. Tais sistemas eram predominantes na Antiguidade, entre os sumerianos e egípcios, entre os hititas na Anatólia, entre os minoicos e micênicos no Egeu e entre os chineses. As escritas ainda não decifradas dos elamitas do sul do Irã e de um povo desconhecido que viveu na Índia em tempos muito antigos também eram logo-silábicas. Os maias da América Central desenvolveram um sistema que está em algum lugar entre o estágio ideográfico dos astecas e os sistemas logo-silábicos completamente desenvolvidos como os dos sumerianos e egípcios.
Como as primitivas escritas ideográficas, todos os sistemas logo-silábicos eram originalmente pictográficos; isto é, eles continham sinais nos quais alguém poderia facilmente reconhecer figuras de humanos e de objetos, animais, plantas e montanhas.
Os sistemas ideográficos retiveram seus caracteres pictóricos do início ao fim de suas existências. No decorrer do tempo, no entanto, as escritas logo-silábicas desenvolveram formas lineares e cursivas. Estas se tornaram abreviadas e mudaram significativamente com o uso constante. É impossível reconhecer na grande maioria deles as figuras que originalmente representavam. No Egito, a escrita hieroglífica originou outras duas, e as três formas eram usadas ao mesmo tempo. A forma hieroglífica era uma escrita de figuras cuidadosamente desenhadas encontrada principalmente em monumentos públicos e oficiais. Havia também as formas hierática e demótica, que eram escritas abreviadas e cursivas usadas principalmente para correspondência privada e comercial.
O passo seguinte na história de escrita foi o sistema silábico. Todas as escritas silábicas derivaram dos sistemas logo-silábicos. Eram sistemas idênticos ou simplificados dos silabários daqueles sistemas. Um silabário é uma lista de caracteres, cada um dos quais usado para escrever uma sílaba.
Os babilônios assírios, que substituíram os sumerianos na Mesopotâmia, aceitaram quase sem nenhuma mudança o sistema logo-silábico sumeriano. Os elamitas, hurritas e urarteanos, que viviam nas fronteiras mesopotâmicas, sentiram que a tarefa de dominar o complicado sistema sumeriano era um ônus muito pesado. Eles simplesmente desenvolveram um silabário simplificado e eliminaram quase inteiramente os sinais logo-silábicos sumerianos.
Os japoneses também desenvolveram um silabário simples a partir da escrita chinesa logo-silábica. As crianças japonesas são ensinadas com ele nos primeiros anos. Quando avançam para graus mais elevados, elas também aprendem vários logogramas tomados emprestados do chinês, que usam lado a lado com seu silabário.
A mudança mais radical ocorreu no sistema que os povos semitas da Síria e da Palestina desenvolveram a partir do sistema hieroglífico egípcio entre 1500 e 1000 AEC. Eles eliminaram todos os logogramas e todos os sinais silábicos com mais de uma consoante. Eles limitaram seus silabários a cerca de 30 sinais começando com uma consoante e terminando com uma vogal.
A escrita semítica mais importante foi desenvolvida por volta de 1000 AEC pelos fenícios na antiga cidade de Biblos. Essa escrita consistia de 22 sinais silábicos começando com uma consoante e terminando com uma vogal. Esta era a escrita que estava destinada a desempenhar o papel mais importante na história da civilização. Devido à sua grande simplicidade, a escrita fenícia se espalhou rapidamente. Ela foi aceita gradualmente por outros povos semíticos, como hebreus, arameus, árabes e abissínios. Na sua marcha para leste, ela se espalhou entre os povos da Pérsia e da Índia. A oeste, ela foi adotada pelos gregos, itálicos e pelo resto da Europa.
Como as vogais não eram indicadas nos sinais silábicos fenícios, estes sinais são chamados consonantais ou até mesmo alfabéticos por alguns acadêmicos. No entanto, os criadores de um alfabeto verdadeiro, com vogais e consoantes, não foram os fenícios, mas os gregos.
Houve três grandes passos pelos quais a escrita evoluiu da ideografia primitiva para um alfabeto pleno. Primeiro, vieram os sinais para representar os sons de palavras, conduzindo a um sistema logo-silábico. Os sumerianos foram os primeiros a desenvolver este estágio de escrita.
Depois veio a criação dos silabários semíticos de 22 a 30 sinais. A grandiosidade da escrita fenícia não está em qualquer mudança revolucionária, mas na simplificação. Ela excluiu todos os logogramas e sinais com mais de uma consoante do sistema egípcio, e restringiu seu silabário a um pequeno número de sinais silábicos abertos. Esta escrita se tornou o protótipo de todos os alfabetos.
O último grande passo foi a criação do alfabeto grego. Isto foi consumado pelo uso sistemático de sinais para vogais. Quando estes foram adicionados aos sinais silábicos copiados do sistema semítico, o resultado foi a redução dos valores dos sinais silábicos a sinais alfabéticos.
Com seu desenvolvimento final alcançado, não importando o que os seus precursores devam ter sido, a escrita teve que passar por esses três estágios – palavra, sílaba e alfabeto – nesta e não em outra ordem. Nenhum estágio de desenvolvimento poderia se omitido. Nenhuma escrita poderia começar com um estágio silábico ou alfabético a menos que fosse copiada de um sistema que já tivesse passado pelos estágios prévios. Um sistema de escrita poderia parar em um estágio sem desenvolver os posteriores. Os nativos das planícies norte-americanas nunca progrediram além da escrita pictográfica. As escritas japonesas e chinesas permaneceram logo-silábicas.
A escrita raramente desenvolveu todos os estágios no mesmo lugar. Os povos eram normalmente conservadores e presos ao seu próprio tipo de escrita. No Egito e na Babilônia interesses religiosos, e na China interesses políticos, foram responsáveis por manter uma forma difícil e obsoleta de escrita e tornar seu uso geral pelo povo impossível. Foram então os povos estrangeiros, sem ligações com as tradições e os interesses locais, que frequentemente foram responsáveis por introduzir novos e importantes desenvolvimentos na história da escrita. Dessa forma, foram os fenícios que simplificaram a escrita egípcia, e os gregos que desenvolveram o alfabeto que eles derivaram a partir da escrita dos fenícios.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, você escreveu de forma clara.
    Estou lendo atualmente um livro sobre a História da Escrita, e vosso texto me facilitou o entendimento e principalmente a ter uma noção do todo.

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